EDUARDO AFFONSO - SEMPRE IMPERDÍVEL
As palavras, a exemplo das pessoas,
mudam ao longo da vida.
Algumas mudam tanto que um dia não as reconhecemos mais.
"Vilão" era o sujeito que
vivia na vila. Em certa época, tornaram-se populares os romances nos quais
mocinhas ingênuas, camponesas, eram seduzidas por aproveitadores que,
invariavelmente, viviam em vilas e cidades. E ai o vilão passou a ser visto
como um vilão.
"Romance" já foi apenas um
tipo de literatura. Mas os romances (como esses das mocinhas e vilões) eram tão
açucarados e sentimentaloides que os relacionamentos amorosos também passaram a
se chamar "romances".
"Fascista" foi, até a primeira
década deste século, um radical, totalitário, nacionalista - de preferência
tudo isso junto.
Fascistas eram Mussolini, Salazar, Franco, Plínio Salgado e os que os seguiam,
curtiam e compartilhavam de suas ideias.
Hoje, fascista é todo aquele que se
opõe a um projeto hegemônico (radical, totalitário) de poder.
Fascista é quem recusa que o Estado venha lhe dizer como falar, do que rir, o
que dizer, o que lacrar.
Fascista é quem recusa a tutela do
politicamente correto.
Fascista é quem desafina o coro dos contentes com o controle da mídia, dos
costumes, do Judiciário, dos meios de produção, da educação, do pensamento.
É fascista o motorista que te dá uma
fechada no trânsito, o árbitro que marca um pênalti contra o seu time; fascista
o professor que te pega colando, fascista o ascensorista que te diz para
esperar o próximo porque não cabe mais ninguém no elevador.
Fascista é todo aquele que te
frustra, questiona, trola; todo aquele que diverge, desvia, contraria; todo
aquele que te desconcerta.
O fascista tem que estudar História
– não sabe reconhecer um golpe, não detecta uma fraude.
O fascista não compreende que o assalto pode ser a reação justa, dentro da
lógica interna do processo, de um indivíduo contaminado pelo capitalismo.
Não percebe quando a bunda é sujeito e quando a bunda é objeto – muito menos
que um magistrado, ao decidir contra os interesses que você defende, se torna
um sujeito abjeto.
Somos todos fascistas: os que
relativizamos a noção de que absolutamente tudo seja relativo; os que achamos
que “democracia de alguns, para alguns, por alguns” não faz nenhum
sentido.
Os que sabemos que nem todo vilão é vilão, que nem todo romance é digno de um
romance, que “fascista” costuma ser tão somente o antagonista de um fascista.
(#somostodosfascistas:
do ativista do “Escola sem partido” ao fascista da escola de samba).
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