quarta-feira, 17 de março de 2021

VAMOS COLOCAR OS PINGOS NOS IS!

VAMOS COLOCAR OS PINGOS NOS IS! (publicado na Tribuna Diária - 17.01.2021)

Dr. Cesar Dario Mariano, Promotor de Justiça. PJSPÉ muito bom colocar os pingos nos is, diante de tudo que tem ocorrido e sido noticiado. Alguns estão a se aproveitar de uma situação calamitosa para angariar ganhos políticos sem fazer a necessária mea-culpa. Não vou defender nenhum governo e muito menos acusar quem quer que seja. Mas a verdade, à luz do direito e da justiça, deve vir à tona. Não compactuo com injustiças e não consigo ficar quieto quando as vejo. E vou explicar o porquê O Brasil é uma república federativa. De acordo com esse sistema de governo, a União detém o poder central e possui soberania. Os entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios) são autônomos. Essa repartição de competências é esmiuçada em nossa Carta Constitucional. A União, em palavras bem simples, nas chamadas competências concorrentes estabelece as regras gerais. De outro lado, os entes federados legislam e agem de acordo com essas regras gerais (art. 24, § 1º, CF). No que tange à saúde pública, a competência é concorrente entre a União e todos os entes federados (art. 23, II, CF). A execução das políticas de saúde pública é afeta a eles, dentro das regras gerais estabelecidas pela União, nos termos do disposto na Constituição Federal, levando-se em consideração as particularidades de cada região e localidade do país. Devido às repartições de competências, foi publicada a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Da análise desta lei, como não poderia deixar de ser, a gerência da crise ficaria com o governo central, por meio do Ministério da Saúde, além de ser necessária, em algumas hipóteses, a intervenção do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e da Infraestrutura. Aos entes federados caberia a execução das políticas estabelecidas pela União, de acordo com as particularidades regionais e locais. As regras para a gestão da crise se encontram previstas na Lei nº 13.979/2020, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidência da República. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, interpretando as normas desta lei segundo a Constituição, decidiu que não é bem assim (ADI 6341). A gerência da crise, ou seja, a execução e adoção das medidas pertinentes à saúde pública ficaram com os Estados, Distrito Federal e Municípios. Com isso, coube à União, na prática, ser apenas a ordenadora de despesas, não possuindo competência para adotar nenhuma medida de execução, mas apenas repartir e alocar recursos. A União até poderia adotar medidas semelhantes às dos Estados, mas nunca ir contra elas, pois violaria o pacto federativo, que confere autonomia aos entes federados. A regra de repartição de competências acabou sendo invertida, já que a União deixou de estabelecer as regras gerais, podendo apenas aderir às medidas adotadas pelos entes federados e nunca ir contra elas. Dentro do que foi determinado pela Excelsa Corte, assim agiu a União. Foram distribuídos aos Estados bilhões de reais e criados benefícios sociais para a proteção dos necessitados, que, devido à quarentena determinada pelos gestores regionais e locais, não podiam sair de casa para trabalhar. No entanto, o que ocorreu. Milhões ou talvez bilhões de reais foram desviados por agentes públicos e políticos para interesses próprios. Diversas operações da Polícia Federal foram realizadas e pessoas presas. Além disso, milhões de reais das verbas para o combate à pandemia foram mal aplicados e desperdiçados, sendo literalmente jogados no lixo. Basta uma mera pesquisa na Internet para constatar essas informações, que são públicas e notórias. Além destes atos criminosos, deixaram de ser previstas por alguns entes federados situações que poderiam ocorrer, como a falta de equipamentos e insumos hospitalares, no caso de aumento dos casos de contágio. Esses planejamentos estratégicos, ações e aquisições são de responsabilidade dos poderes regionais e locais. A União, como não possui as rédeas das medidas executivas, apenas age a pedido dos entes federados, não podendo imiscuir-se em ações regionais e locais. Foi esta a determinação do próprio Supremo Tribunal Federal. Basta ler as várias decisões prolatadas sobre a hipótese. É claro que, a pedido dos entes federados, a União não só pode como deve agir. Pergunto: houve pedido de disponibilização de recursos ou de equipamentos para alguma cidade ou região que sofre atualmente com o aumento dos casos da Covid-19? Se houve e não foram atendidos, o responsável pela omissão deve ser processado e responsabilizado severamente pelos resultados. Caso não tenha havido nenhum pedido, como a execução dos atos e gestão da crise é de responsabilidade dos poderes regionais e locais, seus gestores é que devem ser responsabilizados pela falta de planejamento e por não terem pedido o devido auxílio no momento oportuno, que certamente não seria negado, sob pena de sancionamento dos omissos. Com efeito, depois de tantos desmandos, omissões e mesmo atos ilícitos, não é justo imputar à União a inteira responsabilidade pelo aumento de casos da Covid-19 em diversas regiões do país. Anoto, ainda, que em relação à vacinação em massa para conter o avanço da pandemia, não pode ser iniciada sem a aprovação do órgão responsável, que é a Anvisa. É o que consta da legislação. Pelo que li dos noticiários, nem todos os documentos exigidos foram disponibilizados ou só o foram recentemente. E a função da Agência é justamente verificar se a saúde pública não será colocada em risco com a aplicação de vacinas cujos efeitos colaterais são desconhecidos a médio e a longo prazo, além de atestar a sua eficácia, dentro de níveis satisfatórios. Sem a aprovação do órgão competente é irresponsabilidade o início da vacinação em milhões de pessoas. Ademais, o que ocorreria se um administrador público adquirisse milhões ou bilhões de reais em vacinas que acabassem por não ser aprovadas pelo órgão de vigilância sanitária? Certamente, a crítica passaria a ser: como que pode alguém adquirir insumos e medicamentos sem a necessária comprovação de sua eficácia e segurança? E, além da crítica, o agente público fatalmente seria responsabilizado judicialmente pelo dano causado ao erário, podendo implicar ato de improbidade administrativa. Não estou a defender ou a criticar quem quer que seja. Apenas faço uma análise à luz do direito posto. Como já afirmei, não sou contrário a nenhuma vacina. Desde que aprovada pela Anvisa, não pensarei duas vezes em recebê-la. Também me mantenho parcialmente recluso e uso máscara de proteção. E não concordo com várias atitudes tomadas por diversos gestores desta crise, desde governadores e prefeitos, até o presidente da República. Mas sejamos justos. Não vamos crucificar uma ou outra pessoa pelo viés ideológico. Houve muitos erros e acertos, próprios de uma situação nova. O que não pode ser admitido em hipótese nenhuma é politizar uma doença, que já custou a vida de centenas de milhares de pessoas. Quais as medidas certas e as erradas? Acredito que atualmente ninguém saiba dizer com a necessária certeza que é esta ou aquela. Até mesmo nos países mais ricos a situação ficou fora de controle e ainda assim está em alguns, que inclusive fabricam as vacinas e seus insumos. O que se dirá no Brasil, país de dimensão continental e pobre. O tempo se encarregará de esclarecer quem errou e quem acertou. Contudo, o bom senso é inato ao ser humano e deve ser usado sempre. Rezo a Deus que possamos superar essa adversidade da melhor maneira e o mais rápido possível, e que tudo volte à normalidade. O STF E A PANDEMIA. DE QUEM AFINAL É A RESPONSABILIDADE DIRETA PELA CONTENÇÃO DA CRISE? (Publicado no Estadão – 18.01.2021) Como tem ocorrido sistematicamente desde o início da pandemia, tudo, absolutamente tudo que ocorre, bom ou ruim, é usado para a desestabilização do governo federal. Repito o que tenho reiteradamente dito: não estou a defender ou acusar quem quer que seja. Mas, injustiças e desinformação têm sido o norte de muitos nestes últimos meses. Na contenção deste grande problema criou-se um obstáculo intransponível para o governo federal: Foi retirado do presidente a implementação das ações efetivas de combate à pandemia. Dentre elas, as mais importantes são justamente o isolamento e a quarentena, que ficaram com os Estados. A Lei nº 13.979/2020 traz diversas restrições ao cidadão em razão da pandemia da Covid-19. Destacam-se o isolamento, que consiste na “separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus” (art. 2º, I); e a quarentena, que implica na “restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus” (art. 2º, II). Portanto, pelo direito objetivo só pode ser imposto pelos Estados e Municípios, com autorização do Ministério da Saúde, isolamento para pessoas doentes ou contaminadas, e quarentena para pessoas, animais e objetos suspeitos de contaminação, além da restrição de atividades (art. 3º, § 7º, II). Não há previsão legal para o chamado distanciamento social (quarentena em massa de pessoas indeterminadas), que depende de ato normativo federal, nos termos da Magna Carta (art. 5º, incisos XV - direito de ir, vir e ficar, e II - ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei). Anoto que a lei a que alude a norma constitucional é a federal, não podendo complementar a regra lei estadual e muito menos decreto de qualquer esfera. A Lei nº 13979/2020 estabelece as repartições de competências para o combate à pandemia. Para as medidas mais duras e restritivas haveria necessidade de autorização da União por meio de seus ministérios e órgãos. A Lei seguiu a regra de repartição de competências prevista na CF. Nas competências concorrentes a União edita as regras gerais. Os Estados legislam de acordo com essas regras gerais. Só podem agir suplementarmente no caso de ausência de norma geral. Ao ser publicada a regra geral, a norma suplementar perde efeito (é suspensa sua eficácia). No entanto, o STF deu nova roupagem à legislação, de modo a não ser necessária essas autorizações, ficando a cargo dos entes federados de acordo com suas particularidades regionais. Coube à União, basicamente, regular os serviços públicos essenciais no âmbito federal, como aeroportos, restrição de acesso a outros Estados e de entrada e saída do país. Praticamente, todas ações executivas para o combate à pandemia ficaram na esfera estadual, não precisando de autorização do Ministério da Saúde e de outros órgãos federais. Houve uma inversão das regras de competências. As regras gerais foram determinadas pelos Estados, cada um podendo fazer o que achasse melhor dentro de critérios científicos (mais quais), e a União deveria seguir as regras de cada unidade federativa, coordenando-as (um dos votos do STF). Mas coordenar o que se cada Estado pode fazer o que quiser? E pior, dentro de um contexto político. Tanto o combate à pandemia quanto a aquisição de vacinas passaram a ser uma plataforma política. Basta ler as declarações dadas por diversos agentes políticos, ficando o interesse público, muitas vezes, em segundo plano. Na prática, de acordo com o decidido pelo STF, a União é apenas a ordenadora de despesas, a provedora, distribuindo recursos para os entes federados e criando auxílios (benefícios) para que as pessoas pudessem, ao menos, ter o que comer, o que acabou sendo feito. Só que esses recursos, em muitas unidades federativas, foram desviados para interesses próprios. As diversas operações policiais bem demonstram isso. Basta ler os jornais e constatar o que estou a dizer. E, se houver abuso no uso das medidas, deve ser acionado o Judiciário, que passa a ser uma espécie de poder moderador (consta em um dos votos). A Lei 13979/2020 trouxe esse controle legal, pois as medidas mais duras só poderiam ser aplicadas se autorizadas pelo Ministério da Saúde que, contrário senso, poderia rever as autorizações no caso de excesso, exercendo o controle central da situação (freios e contrapesos). Cada pedido de autorização seria analisado pelo Ministério da Saúde e autorizado, ou não. Dessa forma, não seria quebrado o pacto federativo. Como essa regra foi considerada contrária ao sistema federativo, foi afastada pelo STF para não haver invasão às competências dos Estados. No entanto, o STF (ou outro tribunal) ao alterar o decidido pelos Estados ao ser acionado no caso de excesso nas medidas restritivas também não estaria invadindo esfera que não é sua, do mesmo modo que a União, de acordo com a lógica de sua própria decisão? Daí, virou uma bagunça. Cada Estado fez o que queria e o presidente não podia interferir. Em tese, ele poderia coordenar as ações estatais, mas como se as medidas executivas são de competência do governo regional e a política falou e ainda fala mais alto? Sobrou-lhe a distribuição de recursos para que cada ente federado implemente suas políticas no combate à pandemia e a criação de programas sociais para que os afetados pelas restrições tivessem, ao menos, condições de sobreviver, o que foi feito. Porém, é fato público e notório que milhões (ou talvez bilhões) de reais foram desviados para interesses próprios de agentes públicos e políticos. Há investigações que atingem agentes políticos do Amazonas e de Manaus (governador e secretária da saúde), locais em que a pandemia se agravou atualmente, e em muitos outros. E, claro, tudo foi politizado e o interesse público não foi observado. Veja, v.g, a queda de braço entre o governo de São Paulo e o federal. A todo momento o governador de São Paulo imputa a responsabilidade do que ocorre em Manaus e pelo Brasil ao governo federal. Tal atitude, a meu ver, equivocada, em nada contribui para a governabilidade do país e para o combate à pandemia. Não sei dizer se houve omissão do Ministro da Saúde no que tange à falta de oxigênio em Manaus. Se a situação era sabida e ele não agiu, deve ser responsabilizado pela omissão. Do contrário, a responsabilização deve recair sobre o agente público ou político omisso na esfera estadual ou municipal, uma vez que me parece que alguém errou. Quanto à vacinação em massa, só poderia ser iniciada com a aprovação da Anvisa. Feito isso, é possível a aquisição das vacinas e seus insumos. Antes disso, o dinheiro não pode ser disponibilizado. Imaginem se bilhões de reais em vacina são desembolsados e ela não é aprovada? Tal proceder implica ato de improbidade administrativa, uma vez que se pagou por algo sem a certeza de sua eficácia e de ausência de riscos à saúde, ou que eles sejam insignificantes, proporcionalmente falando. Vejam o que ocorreu com a vacina russa. Não foi aprovada porque não se realizaram os testes necessários. A própria vacina chinesa Coronavac quase não atingiu a eficácia necessária e, a depender da metodologia empregada para essa aferição, não teria atingido o percentual de 50%. Como, então, criticar quem age de acordo com o que determina a prudência e a legislação? Houve erros e acertos na condução do combate à pandemia por todos os agentes envolvidos. É uma situação nova e esses mesmos erros e acertos ocorreram em todo o globo. Não é sabido com a necessária certeza quais as medidas que são ou possam ser adotadas, e se estão certas ou erradas. O que se pensou ser o certo o tempo demonstrou não ser verdade e a recíproca é verdadeira. Não me parece correto atribuir a responsabilidade pela enorme quantidade de mortes a uma ou outra pessoa isoladamente, notadamente à União, que teve sua atuação significativamente reduzida pela decisão do STF, que deixou para os entes federados as ações mais efetivas para o combate à pandemia, como a quarentena e isolamento social. Como, na prática, sobrou ao presidente ser o mero ordenador de despesas, ele fez o que lhe era possível, repassando bilhões de reais para os entes federados, além de implementar programas sociais para os atingidos. Até seria possível fazer mais, mas não é justo dizer que as mortes são de responsabilidade exclusiva do presidente da República. Muitos agentes públicos também erraram na condução da crise e sequer é necessário dizer quais são. Basta bom senso e se despir de preconceitos e ideologias para se chegar a esses nomes, que não me cabe elencar. Aliás, a grande maioria das mortes não é de responsabilidade de ninguém, já que se trata de evento imprevisível e desconhecido. Enfim, os egos e interesses outros, que não a saúde e bem-estar da população, devem ser deixados de lado, a fim de ser possível debelar a praga da Covid-19, que alcançou o mundo inteiro como não visto há décadas.
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https://www.youtube.com/watch?v=xtbL7QNcjNo

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