"EM SUMA: O QUE OS COMUNISTAS FIZERAM COM BUDAPESTE, PRAGA, BELGRADO, VARSÓVIA..."
"ESTIVE PELA 1ª VEZ na Hungria em 1977, e já então o que me chamou a atenção foi que o comunismo, em vez de criar uma democracia de trabalhadores afluentes e orgulhosos, desembocou numa tirania de pequenos burgueses empobrecidos, humilhados e profundamente rancorosos.
Duas coisas, no entanto, eu demoraria para perceber.
A primeira era a durabilidade do rancor, que sobreviveria o regime em duas boas décadas, pois esse se revelou também o tempo mínimo que acabaria levando para remendar as mazelas mais evidentes de meio século de desgraças.
A segunda, eu vinha remoendo desde pelo menos 89 (e uma hora explico melhor), mas a plena digestão, que precede a formulação precisa, requer uma enzima específica, e esta só me chegou esses dias, graças às observações de uma amiga que acabou de visitar Havana, a belíssima capital que ela viu num estado criminoso de abandono e decrepitude.
Lembrando-lhe que se tratava da regra nos países comunistas, os quais, embora proclamassem o culto da propriedade coletiva, eram os que mais agressivamente a maltratavam, talvez porque odiassem a civilização pregressa que a construiu ou apenas tivessem horror ao que quer que fosse bonito e agradável, ocorreu-me enfim uma explicação melhor.
Não há nada mais deprimente do que viver no meio da feiúra, da bagunça, da sujeira. Uma coisa é se opor, se revoltar e lutar contra as pessoas que encarnam e/ou mandam numa tirania. Outra coisa é combater todo o seu habitat: ruas esburacadas, jardins e praças esfarrapados, calçadas quebradas, muros e paredes rachados, pinturas descascando, fuligem impregnada em tudo, árvores e vegetação retorcidas, doentias, ruas, avenidas sem varrer, terrenos baldios cheios de lixo há décadas, ruínas nunca reconstruídas nem sequer removidas, janelas quebradas, tudo manchado, tudo gasto, podre, cheio de mofo, tudo remendado ou nem remendado, enferrujado, cheio de cupins, infestado de ratos, baratas, poucos elevadores, todos velhos, quase nenhum funcionando, tapetes ensebados etc. Quem nasceu num mundo minimamente arrumado e lembra dele, talvez ainda tenha energia pra se revoltar, como os húngaros em 1956. Mas quem já nasceu nos grandes cortiços socialistas...
Em suma: o que os comunistas fizeram com Budapeste, Praga, Belgrado, Varsóvia etc. foi também uma maneira de quebrar o ânimo e a disposição de seus súditos de modo a humilhá-los, imbuindo-lhes um prolongado rancor. E não creio que tenha sido planejado. A má vontade oficial associada à incompetência burocrática e à arrogância esquerdista eram mais que suficientes para reduzir belas cidades européias a lixões do 3º mundo."
(Nelson Ascher)
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