COMO DESMASCARAR AS
MENTIRAS DE ESQUERDA?
Francisco de Assis
Por que os esquerdistas dominam a arte da
polarização? A resposta está aqui.
Por que é tão fácil para eles ridicularizarem seus oponentes? A resposta está aqui.
Como as vezes parece tão fácil (de forma até artística) eles colocarem seus adversários em verdadeiras armadilhas, jogando, certas vezes, até com as regras do outro? Novamente, ficará muito mais fácil você entender isso aqui.
Estamos prontos para começar a jornada por dentro da mente de Saul Alinsky.
Prólogo Saul Alinsky nasceu em 1909 e morreu em 1972, um ano depois a publicação deste “Rules for Radicals”. Ele não teve a felicidade de ver que seu trabalho gerou frutos dos quais a esquerda se alimenta vigorosamente até hoje (aliás, cada vez mais), enquanto os conservadores de direita ficam zonzos sem perceber o que está acontecendo com eles. Alinsky, mesmo aos 62 anos na época do lançamento do livro, tinha sua cabeça sintonizada corretamente no que diz respeito à guerra cultural. Escrevia para os jovens, que estavam para entrar ou já estavam nas universidades. Uma boa parte do seu público na época era composta de líderes sindicais, hippies (especialmente aqueles contra a guerra do Vietnã), feministas e adeptos dos movimentos de quaisquer outras minorias. Segundo ele “a força revolucionária” lembrava em certos pontos os “primeiros cristãos”, mesmo que ele reconhesse que estes mesmos revolucionários, em sua visão, “proclamavam a violência e gritavam ‘Derrubem o sistema!’”. Uma das forças mais marcantes em sua análise, todavia, estava naquilo que ele definia como ao mesmo tempo “ausência de ilusões em relação ao sistema, mas muitas ilusões a respeito de como mudar o mundo”, um sinal de que ele tinha consciência de sua utopia. Logo no primeiro parágrafo ele diz que as páginas que o leitor estava por ler “foram escritas em desespero”. Em uma entrevista à Playboy em 1972, dois meses antes de sua morte, ele disse que “se existisse vida após a morte, e me fosse perguntado a respeito, eu escolheria sem pestanejar a oportunidade de ir para o inferno”. O entrevistador lhe perguntou os motivos, recebendo a resposta, em retorno: “O inferno seria um paraíso para mim. Toda minha vida eu estive juntos aos que não tem. Por aqui, se você é um que não tem, você não está aderente à massa. Mas se você é um que não tem no inferno, é pouco virtuoso. Uma vez que eu chegue ao inferno, começarei a organizar os que não tem por lá”. Suas idéias já eram adaptadas no início dos anos 60 para uso pela esquerda nas universidades americanas por causa de sua obra “Reveille for Radicals”, escrita em 1946. Ali já haviam soslaios de sua idéia a respeito do que seria um radical, mas a forma detalhada de como ele devia agir para projetos de conquista de poder está em “Rules for Radicals”. Entre as duas obras, ele escreveu apenas “John L. Lewis: Na Unauthorized Biography”, em 1949, dedicando o resto do seu tempo a vários tipos de militâncias. Embora como veremos suas idéias são inspiradas no marxismo, ele luta para não se identificar com eles, preferindo se auto-rotular como parte de “uma esquerda independente” (embora seu modelo de categorização das classes seja uma réplica do modelo esquerdista, apenas com outra terminologia, como veremos no próximo post da série). Ele também era um crítico ferrenho da forma de atuação radical e violenta de alguns esquerdistas da época. Segundo ele, esse tipo de “participação democrática ‘ativista’se transforma em sua antítese – assassinatos e explosões niilistas”. Por isso ele sempre dizia se distanciar das “panacéias do passado, como as Revoluções na Rússia e China, que se tornaram a mesma coisa de sempre apenas sob um nome diferente”. Em sua visão, “a busca pela liberdade não parece ter uma estrada ou destino”. Para Alinsky, se uma Declaração da Independência fosse escrita por jovens em 1971, trataria de questões “ do Vietnã e da população negra, das vidas nos guetos mexicanos e porto-riquenhos, dos trabalhadores imigrantes, da Appalachia, do ódio, ignorância, doença e fome no mundo”. Segundo ele, “uma carta de direitos enfatizaria o absurdo das relações humanas e do desamparo e vazio, assim como da solidão terrível que resulta de não sabermos se há algum significado para as nossas vidas”. A causa revolucionária, dos “radicais”, seria essa causa para as vidas dos jovens compondo o público alvo de Alinsky. A obra traria, nas palavras do autor, “a experiência e o conselho pelos quais muitos jovens o questionaram em sessões que duravam por toda a noite em centenas de campus na America”. Conclui Alinsky: “Esta obra é para aqueles jovens radicais que são comprometidos com a luta, comprometidos com a vida”. Ele afirma que “existem certos conceitos centrais de ação na política humana que operam independente da cena ou tempo”. Conhecer estes conceitos de ação “é básico para que um ataque pragmático seja feito ao sistema”. Aqui quero ressaltar que, para a absorção melhor do que Alinsky tem a dizer, atacar um sistema de altos impostos, por exemplo, é também um ataque ao sistema, só que um ataque ao sistema esquerdista. Em minha análise, ataques ao sistema deixam de ser, portanto, exclusividade dos esquerdistas. Por outro lado, o rótulo “radical”, utilizado por Alinsky, é útil para ele, mas não sei se os conservadores de direita deveriam utilizá-lo. Um dos pontos mais contundentes do material é a abordagem realista (atenção: apenas no contexto da guerra cultural, é claro). Observem como Alinsky apresenta suas regras: “Estas regras fazem a diferença entre ser um radical realista e aquele retórico que utiliza as velhas palavras e frases de efeito, chamando a polícia de ‘porcos’ ou ‘racistas fascistas brancos’ ou ‘filhos da puta’, tornando a si próprio tão estereotipadosque outros reagem a ele dizendo: “Oh, ele é um daqueles”, e então o desprezam”. Enfim, se Alinsky possui suas utopias particulares, ao menos ele é realista em relação ao contexto da guerra política, e este é seu diferencial. Crítico à própria atuação dos esquerdistas em seu tempo, ele diz: “A falha de muitos de nossos jovens ativistas em entender a arte da comunicação tem sido desastrosa”. Em resumo, há também uma comparação da inutilidade de se pisar sobre a bandeira americana, e ele sugere que para ampliar a comunicação com a platéia deve-se saudar a bandeira, e, em cima dela, proclamar seus valores, mesmo que diferentes do inimigo. Caso um radical de fato entenda que usar cabelos longos “cria barreiras psicológica para comunicação e organização, ele deve cortar seu cabelo”. Caso se organize uma manifestação em uma comunidade judaica ortodoxa, “não se deve andar por lá comendo um sanduíche de presunto, a não ser que o objetivo seja ser rejeitado e arrumar um pretexto para desistir da luta”. Outro diferencial do material é a defesa do uso do humor. Para Alinsky, “em outro nível de comunicação, humor é essencial, pois através do humor muito é aceito ao contrário do que ocorreria se o mesmo material fosse apresentado seriamente. Esta é uma geração triste e solitária. Ela ri muito pouco, e isto também é trágico”. Embora crente em seus ideais, Alinsky diz: “Como organizador, eu parto de onde o mundo é, e como ele é, não como eu gostaria que fosse. Que nós aceitemos o mundo como ele é não enfraquece, de qualquer forma, nosso desejo de mudá-lo para o que nós acreditamos que deve ser”. No que um conservador de direita poderia contra-argumentar que o mundo já está “mudado” de acordo com as perspectivas esquerdistas, incluindo as de Alinsky (exemplo: estado inchado), portanto um mundo com redução do tamanho excessivo do estado, também é uma perspectiva de mudança. Logo, lemas como “hope for the change”, declarados por Obama, serviriam também para alguém da direita. No Brasil, há um debate sobre a redução da maioridade penal. Esta é uma proposta da direita, e uma “mudança” na impunidade, e um ataque ao sistema de impunidade criado pela esquerda. Atenção: o discurso de “mudança” não pode ser esquerdista apenas. E sendo que há mudança, ela deve ocorrer, para Alinsky “trabalhando-se dentro do sistema”. Ele cita uma outra razão para se trabalhar a partir de dentro do sistema, citando Dostoevsky, quando este reconheceu que “dar um novo passo é aquele que as pessoas mais temem”. Assim, “qualquer mudança revolucionária deve ser precedida por uma atitude passiva, afirmativa, distante de desafios a respeito da mudança pela opinião pública”. Alinsky diz que “eles devem se sentir tão frustrados, tão derrotados, tão perdidos, tão sem futuro no sistema vigente que estejam dispostos a abandonar o passado e apostar no futuro”. Esta aceitação seria “a reforma essencial a qualquer revolução”. Para convencer a opinião pública em massa (incluindo a classe média e os pobres) a aceitar seus ideais é preciso “atuar de dentro do sistema”. Uma metáfora sobre a paciência é uma das partes mais interessantes do prólogo: Nossos jovens são impacientes com as preliminares essenciais às ações que gerem resultado. A organização efetiva é frustrada pelo desejo para mudança instantânea e dramática, ou como eu citei anteriormente pela demanda pela revelação ao invés da revolução. Este é o tipo de coisa que vemos nas peças de teatro; o primeiro ato introduz os personagens e o argumento, no segundo ato o argumento e os personagens são desenvolvidos ao passo que a peça vai obtendo a atenção da platéia. No ato final o bem e o mal tem sua confrontação dramática e a resolução. A geração atual quer ir direto ao terceiro ato, pulando os dois primeiros, e em tais casos não há sequer uma peça, nada além de confrontação pela causa da confrontação – uma luz é ofuscada, com o consequente retorno às trevas. Para se construir uma organização poderosa gasta-se tempo. É tedioso, mas esta é a maneira pela qual o jogo é jogado – isso se você quiser jogar e não apenas gritar “Matem o império”. Para ele, sair citando frases de “Mao, Castro e Guevara” não vai funcionar em uma cultura americana na qual estes seriam quase alienígenas. Aliás, ele diz que nos países comunistas há menos liberdade do que na América, e isso deveria ser aproveitado pelos radicais. Um ponto de discordância minha é quando Alinsky diz: “Aqueles que, por quaisquer combinação de razões, encorajam o oposto da reforma, se tornam aliados irrestíveis da direita política”. O problema é que aqui, como já mostrei, ele toma “mudança” como apenas algo inerente à esquerda. E esta terminologia é uma que precisamos eliminar do nosso vocabulário. Se conseguimos reduzir impostos, isso é uma “mudança” da direita, mas se os impostos são aumentados, isso é uma “mudança” da esquerda. Se há aumentode punição para criminosos, isso é uma “mudança” da direita, mas se há retirada de punição aos criminosos, isso á uma “mudança” da esquerda. Isto defende satisfatoriamente minha tese de que, embora não sejamos “revolucionários utópicos”, ou “radicais”, a luta pelo processo de mudança é uma constante em pessoas tanto da direita como da esquerda, especialmente aqueles que estejam em oposição ao sistema. Somente com a retirada destes truques semânticos (“mudança é da esquerda”, “reacionários são da direita”) de nossa mente, conseguiremos assimilar melhor este conteúdo. O Propósito O texto anterior desta série é “Um Raio X das regras para radicais de Saul Alinsky – Introdução”. Como sempre convém avisar nesta série, assumo um tom não crítico (ao invés da maioria dos meus textos, em que refuto a esquerda), pois meu objetivo aqui é capturar a essência do pensamento de Saul Alinsky como um todo. Enfim, entender como pensava o arquiteto das estratégias democratas para conquista do poder. A primeira coisa que devemos ser obrigados a reconhecer é que Alinsky foi um esquerdista versátil. Um exemplo disso está em sua capacidade de ao mesmo tempo citar ensinamentos cristãos como anti-cristãos. No início deste capítulo ele cita Jó 7:1 (“A vida do homem sobre a terra é uma guerra”). Mas logo anteriormente ele dizia que o primeiro radical, de todeas as lendas, mitologia e história era Lúcifer, “o primeiro a se rebelar contra o status quo, fazendo-o tão efetivamente que ao menos conquistou seu próprio reinado”. Outra característica do autor, que ele demonstra logo no início, é a capacidade de “não associação” a uma corrente específica de pensamento, mesmo que ele a defenda por completo. Exemplo: ele defende que os seres humanos se dividem em três classes: Os que tem, o que não tem, os que tem um pouco e querem mais. Ele faz isso ao mesmo tempo em que diz não ter nenhum tipo de associação com o marxismo. Mas essa terminologia, no entanto, é simplesmente a releitura do marxismo, na qual existiriam os Burgueses (Os que tem), os Proletários (Os que não tem), e os Pequeno-Burgueses (Os que tem um pouco e querem mais). Se adaptarmos utilizar o paradigma de Alinsky para a direita (embora não com suas motivações, obviamente), basta adicionarmos uma nova categoria, Os que tem tudo, e mudarmos algumas das demais categorias, convertendo “Os que tem” para “Os que tem muito”, e “Os que tem pouco e querem mais” para “Os que tem pouco”. Isso por que todos “querem mais”, independente do quanto tenham. Assim, ficaríamos com as seguintes categorias: 1. Os que tem tudo: Os burocratas donos de um estado inchado, seja ele de bem estar social ou uma ditadura do proletariado. 2. Os que tem muito: Os mais bem sucedidos homens de negócio. 3. Os que tem pouco: Os que não alcançaram o estágio 2. 4. Os que não tem nada: Esses seriam os moradores de rua. 5. Alinsky afirma o seguinte: “O Príncipe foi escrito por Maquiavel para os que tem muito manterem o poder. Regras para radicais é escrito para aqueles que não tem nada tomarem tirá-lo dos que tem muito.”. Portanto, uma reconstrução de Regras para Radicais conforme nós, da direita, possamos percebê-lo adequadamente deveria ser a seguinte: “Regras para radicais é escrito para dar o poder aos que tem tudo, que são os burocratas, através de um discurso em que ideólogos simulam que estão do lado dos que não tem nada.” Minha adição: “Esta refutação é escrita para atrapalhar os planos de quem tem tudo.” Um ponto interessante é quando Alinsky diz que quer dar aos seus leitores uma chance de “viver por valores que dão significado à vida”. É por isso que esquerdistas tem conseguido capitalizar bastante com um discurso de que “lutam pelos oprimidos”. Uma análise deste discurso mostra que a direita somente pode reverter o quadro demonstrando que ao mesmo tempo em que os esquerdistas na verdade não lutam pelos oprimidos (é possível demonstrar que a direita pode fazer mais pelos oprimidos do que a esquerda), quem é de direita pode ter como sentido da vida lutar contra a tirania e a favor da liberdade individual, a qual seria eliminada com o estabelecimento do totalitarismo de esquerda. A regra é clara: sem um sentido claro para a luta, não vale a pena sequer começar, pois não haverá motivação para ações que causem revoluções. Este é outro ponto em que preciso fazer um esclarecimento antes de prosseguir. O termo “revolução”, no contexto dos esquerdistas é a busca de um paraíso, ao passo que a direita deve utilizar o termo de uma maneira diferente. Um país que aumenta seus impostos de 10% para 30% está fazendo uma revolução de esquerda, pois o estado está sendo inchado. Mas um programa seríssimo de austeridade, que reduza os impostos a níveis baixos, também é uma revolução. O movimento original Tea Party, ocorrido em 16 de dezembro de 1773 em Boston, no qual colonos atiraram várias cargas de chá ao mar, eram um protesto revolucionário contra aumento de impostos. Diante disso, pode-se utilizar o material de Alinsky (com as devidas adaptações, especialmente quanto ao capítulo 2, cuja análise será publicada nos próximos dias) para qualquer causa revolucionária, seja ela utópica ou não. Os esquerdistas gostam de dourar a pílula com utopias, mas quem é da direita não. Alinsky apresenta o seu material da seguinte forma: “Neste livro eu proponho certas observações gerais, proposições, e conceitos do ciclo de ação e reação nas revoluções.” As técnicas aqui são utilizadas para ações revolucionárias. linsky não raro entra em contradição, não quando apresenta suas técnicas, mas sim quando define a si próprio. Por exemplo, ele diz que “detesta e teme o dogma”. Entretanto, diz que o lema dos pais fundadores (“Pelo bem estar social”, o qual é um dogma) é um defendido por ele. Ele reconhece, páginas a frente, que sua crença “no ser humano” pode ser um dogma, o qual entraria em contradição com sua rejeição aos dogmas. Em relação a isso, declama: “Tudo bem, o ser humano é contraditório em essência”. O que nos leva a seguinte constatação: no jogo político, dogma é algo que o outro tem. Sendo o que o outro tem um dogma, isso significa que a posição do outro é condenável por não ter sido questionada o suficiente. O inverso deve ser aplicado às próprias crenças, que não serão afirmadas como dogmas, mas sim como idéias passíveis de correção contínua. Não faz diferença se eles são dogmas imutáveis ou não, o que importa é como elas são transmitidas. Assim, sendo que suas idéias são declaradas como “passíveis de mudança”, o público o perceberá como mais tolerante e menos inflexível. Por isso, não se deve declarar nenhuma crença particular como imutável, mas suscetível a mudança. Esta é uma das primeiras lições ensinadas por Alinsky: “Dogma é algo que pertence ao seu oponente, jamais a você”. O lema central de Alinsky é o pragmatismo, e para ele as ações devem ser focadas em resultados. Ele afirma: “Eu espero que estas páginas contribuam para a educação dos radicais de hoje, e para a conversão de paixões quentes, emocionais e impulsivas atuais, que são impotentes e frustrantes, em ações que sejam calculadas, focadas e efetivas”. Ele cita o caso de centenas de advogados que foram protestar contra a prisão de quatro deles pelo juiz Hoffman. Ao redor do fórum se reuniram vários militantes, um grupo de estudantes radicais e Panteras Negras junto a uma multidão de advogados. Eis que surge o juiz Campbell, avisando que se a baderna não fosse interrompida, prisões começariam a ocorrer. Um dos manifestastantes gritou “Foda-se, Campbell”. Após um silêncio tenso, os manifestantes abandonaram o local. Vejam como Alinsky avalia o ocorrido, relatado por Jason Epstein em “The Great Conspiracy Trial”, de 1970: Os advogados militantes jogaram por terra uma maravilhosa oportunidade de criar uma questão em nível nacional. Ali parecia haver duas escolhas, ambas capazes de criar pressão sobre o juiz e manter a questão sob discussão: um dos advogadores poderia ter caminhado junto ao juiz Campbell, após a voz solitária ter gritado “Foda-se, Campbell”, e afirmado que os advogados não davam apoio à obscenidades pessoais, mas mesmo assim eles não iriam abandonar o local; ou então que todos os advogados juntos começassem a gritar “Foda-se, Campbell”. Eles não fizeram nenhum dos dois; ao invés disso, deixaram a iniciativa passar deles para o juiz, e, em consequencia, não conseguiram nada. Ele diz que os radicais devem ser “resilientes, adaptáveis a circunstâncias políticas móveis, e sensíveis o suficiente ao processo de ação e reação para evitar serem capturados por suas próprias táticas e forçados a caminhar por uma estrada que não escolheram”. Em resumo: “os radicais devem ter um controle sobre o fluxo de eventos”. Em nome disso, Alinsky defende uma “ciência da revolução”. Preparando o seu leitor, ele avisa que “todas as sociedades desencorajam e penalizam idéias e escritos que ameaçam o status quo vigente”. Deve-se notar que “status quo vigente” pode ser descrito também como o status quo esquerdista, em todo Ocidente que hoje paga impostos absurdos, tolera a criminalidade e permite que alguns esquerdistas ainda consigam implantar ditaduras, como ocorre na Argentina e na Venezuela. Por isso, desafio ao status quo, como já afirmado antes, não é prioridade de esquerdistas, na verdade é o oposto: hoje em dia o status quo é esquerdista, portanto as regras de Alinsky hoje devem ser mais úteis a quem está na direita do que na esquerda. Alisnky entende que, por causa da Guerra Fria, a luta entre esquerda X direita ficou conhecida como uma luta dos conservadores contra o marxismo. Segundo ele, isso criou a noção de que “a revolução dos que não tem induz um medo paranóico” na população, mas o mesmo pode ser dito da noção de que “a revolução de direititas, como os do Tea Party atual, geram um medo paranóico” na esquerda. Diz ele: “Nós aceitamos uma revolução se é garantido que esteja do nosso lado, e mesmo quando percebemos que a revolução é inevitável”. Em tese, portanto, “revoluções são coisas a serem evitáveis” pela maioria. Em relação ao marxismo, ele afirma: “nós [os esquerdistas em geral], permitimos que uma situação suicida se desdobrasse quando o comunismo e revolução se tornaram um só”. Por isso, o autor defende que todas suas páginas são “comprometidas a dividir este átomo político, separando esta identificação exclusiva do comunismo com revolução”. Diante disso, afirma: “Esta é a razão principal pela qual eu forneço um manual revolucionário que não está sedimentado nos moldes comunistas ou capitalistas, mas como um manual para os que não tem do mundo, independente da cor de sua pele, ou sua preferência política. Meu objetivo aqui é sugerir como se organizar para obter poder: como obtê-lo e como utilizá-lo”. Em uma adaptação, devemos também seguir Alinsky no que diz respeito a algumas separações, evitando que o termo “revolução” fique apenas associado aos esquerdistas. Outro ponto, seguindo ainda a idéia de Alinsky, deveria ser “separar o anti-esquerdismo do conservadorismo do tipo cristão”, o que significa que conservadores cristãos e conservadores ateus devem lutar pelo mesmo fim de atacar o esquerdismo, mas um não pode ser identificado como o outro. Se a associação com o marxismo, torna um esquerdista facilmente atacável, a associação direta com o cristianismo, faz o mesmo em relação a um conservador de direita. Note que isto não é ser contra o cristianismo, mas simplesmente evitar a associação, mostrando que o conservadorismo de direita pode existir com uma identidade particular, que transcende o cristianismo. Eis uma parte importante: A revolução sempre avançou como uma lança ideológica, assim como o status quo inscreveu sua ideologia sobre o estudo. Tudo na vida é partidário. Não há objetividade desapaixonada. A ideologia revolucionária não se limita a uma fórmula específica limitada. É uma série de princípios gerais, enraizados na declaração feita por Lincoln em 19 de maio de 1856: “Não vos enganeis. Revoluções não voltam atrás.”. Mesmo que alguém da direita se incomode com Alinsky, não dá para deixar de reconhecer o realismo desta declaração. Sim, é fato que não existe objetividade desapaixonada, e que tudo na vida é partidário. Um exemplo pode ser a questão da causa gay. Muitos pais conservadores de direita se incomodam com o fato dos gayzistas tentarem impor sua bandeira aos seus filhos, impondo o casamento gay como algo normativo. Qualquer questão da vida humana é politizável, portanto neutralidade não existe. Sendo que revoluções podem ser feitas por ambos os lados (se o status quo é esquerdista, como atualmente, ser da direita é mais revolucionário do que ser de esquerda hoje em dia, ou seja, o jogo virou), o conhecimento dos princípios gerais de revoluções devem pertencer a ambos os lados da contenda. A ideologia da mudança Nessa seção, Alinsky continua ao mesmo tempo em que se declara absolutamente não-dogmático, afirmando que possui uma única convicção, a de que “as pessoas, se tiverem poder para agir, a longo prazo irão, na maior parte do tempo, tomar as decisões corretas”. Essa afirmação significa que alguém que diz lutar do lado do povo, crê que a decisão do povo é soberana, o que deve ficar como um puxão de orelha para muitos da direita. Ao renegar “a soberania do povo”, estão, ao mesmo tempo, dizendo que a opinião do povo não importa, e, então, saindo do jogo político. Ao contrário, Alinsky diz que “quando se acredita no povo, o radical assume a função de organizá-los de forma que eles tenham poder e oportunidade para melhor reagir a cada crise futura imprevisível assim como caminham em sua eterna busca por valores como igualdade, justiça, liberdade, paz, e todos aqueles direitos e valores propostos pelas tradições político-democrática e judaico-cristãs”. Ele diz que a “democracia não é um fim, mas um meio para se alcançar estes valores”. Conclui ele: “esse é o meu credo, pelo qual eu vivo e, se necessário, morrerei por ele”. Eu seu pragmatismo, Alinsky diz algo bastante contundente (seja para alguém da direita ou da esquerda), ao dizer que o processo de mudança em política passaa por “reconhecer o mundo como ele é”. Citando Maquiavel, ele diz que deve-se observar o mundo da mesma maneira que todos os realistas políticos, nos termos do que “os homens fazem, e não do que deveriam fazer”. Alinsky diz que devemos nos livrar da rede de ilusões que temos sobre a vida. Segundo ele, “a maioria de nós visualizamos o mundo não como ele é, mas como gostaríamos que fosse”. Somente em programas da televisão, “onde o bem sempre vence”, isso é possível Alinsky é perspicaz ao reconhecer que o mundo é uma “arena de política pelo poder movida principalmente por auto-interesses imediatamente percebidos, onde a moralidade é uma racionalização retórica para justificação de ações relacionadas a auto-interesse”. Sendo assim, “neste mundo, leis são escritas pelo alegado objetivo de ‘bem comum’ e então orquestradas de fato na base da ‘ganância’ comum”. Sobre este mundo, ele ainda afirma que “a irracionalidade se apega ao homem como uma sombra, de modo que coisas certas sejam feitas por razões erradas – depois, arrumam-se razões certas para justificação”. Não dá para negar que em uma abordagem realista do animal humano, Alinsky está correto neste caso. Ainda em sua análise crua, ele diz que este não é “um mundo de anjos, mas de ângulos”, onde “os homens falam de princípios morais, mas atuam em princípios de poder”, um lugar “onde nós sempre somos morais, e nossos inimigos sempre imorais”. Enfim, “um mundo onde ‘reconciliação’ significa que quando um lado obtem o poder e o outro lado aceita a situação, então nós temos reconciliação; um mundo de instituições religiosas que tem, como foco principal apoio e justificação do status quo de forma que hoje em dia a religião organizada está materialmente desfeita e espiritualmente corrupta”. Especificamente sobre a religião, ele afirma: “Nós vivemos em uma ética judaico-cristã que não só acomodou-se a si própria, como também justificou escravidão, guerra e todas outras perversas explorações horríveis que o status quo desejava”. Eis, então, o ponto de partida de Alinsky: Nós vivemos em um mundo onde “o bem” é um valor que depende do quanto nós queremos algo. No mundo como ele é, a solução de cada problema inevitavelmente cria um novo problema. No mundo como ele é, não há felicidade permanente ou tristeza sem fim. Tais coisas pertencem ao mundo da fantasia, o mundo como nós gostaríamos que fosse, o mundo dos contos de fadas das crianças onde “eles viveram felizes para sempre”. No mundo como ele é, temos um fluxo de eventos com picos intermitentes, sendo que a morte é o único ponto terminal. Alguém jamais alcançará o horizonte; mas sempre focará no futuro, sempre acenando à frente; enfim, a busca vital em si própria. Isto é o mundo como ele é. Este é seu ponto de partida. Alinsky segue dizendo que, após o leitor reconhecer o mundo como ele é (ao invés de como gostaríamos que fosse), é possível esmagar falácia por falácia da visão antiga. Como por exemplo, na derrubada da ilusão de que as coisas podem ser vistas separadas de suas contra-partidas. Assim, em sua visão, pode-se notar que “a ameaça de destruição a partir da energia nuclear traz em si própria a oportunidade de paz e prosperidade”, e assim tudo funciona no universo. Segundo ele: “Nestas contradições e suas tensões que constantemente interagem é que a criatividade começa. Assim que começamos a aceitar o conceito das contradições, passa a ser possível visualizar cada problema ou questão em seu sentido como um todo e inter-relacionado.” Assim, “reconhecemos que para cada positivo há um negativo, que não há nada positivo sem o seu negativo concomitante, nem qualquer paraíso político sem seu lado negativo”. A mensagem que ele quer passar é ainda mais profunda, ao constatar que, em qualquer discussão ou análise de movimentos de massa, não se pode afirmar que se “X é feito, Y será resultante”. Uma visão modesta, assumida por Alinsky, é a de que podemos no máximo “esperar entender as probabilidades inerentes a certas ações”. Alinsky também quer precaver seu leitor de que com certeza aquilo que “beneficiará um lado, tende a prejudicar o outro”. Por isso, ele diz que definir os pontos como “positivos” e “negativos”, de forma dogmática, é a marca de um iletrado político. Há uma conseqüência ainda mais profunda deste raciocínio, que é notar que para cada ação revolucionária, há uma ação contra-revolucionária, e que, se aqueles que atuam no processo de mudança aceitarem este fato, “aprenderão a antecipar a inevitável contra-revolução”, e, daí, alterar o padrão histórico de uma revolução seguida por uma contra-revolução, isto é, abandonar um processo de mudança lento, definido por dois passos para a frente e um passo para trás. Distinções de classe: a trindade Não podemos esquecer as três classes de Alinsky para seu mapeamento de classes no conflito político, ao passo que, em uma visão de direita, aqui proposta, existem quatro. A argumentação dele para arregimentar a classe dos que não tem nada contra os que tem muito é baseada em várias dicotomias que, com certeza, foram extremamente úteis para o convencimento dos adeptos. Segundo ele, os que tem muito querem se opor à projetos de mudança, pois viveriam rodeados de poder, dinheiro, segurança e luxo. Ele constata o óbvio ao dizer que estes estão em menor número, enquanto aqueles que tem muito são os de maior número. Eis então, as dicotomias: “Os que tem muito querem reter, e os que não tem querem obter. Termopoliticamente, estes são uma massa de resignação e fatalismo, mas dentro deles há uma crescente quantidade de esperança que pode ser ativada pela construção de meios para obtenção de poder”. Alinsky lança a seguinte constatação: “Uma vez que a febre se inicia a chama irá se seguir. Eles não tem para onde ir, a não ser para cima”. Alinsky nota que os que não tem odeiam o que ele chama de “opulência arrogante” dos que tem, e isso significa tudo o que representaria, em sua visão, o status quo da burguesia. Assim, as leis, políticas e igrejas são representações desta burguesia. Para ele, termos como “justiça, moralidade, lei e ordem” são apenas palavras para a justificação do status quo. Em outra mensagem com ênfase no “levantamento da moral da tropa”, Alinsky diz que o poder dos que não tem reside apenas em seu número. Mais uma dicotomia com efeito potencial efeito psicológico é a seguinte: “Os que tem vivem encarando a questão ‘quando nós dormimos?’, enquanto os que não tem pensam o tempo todo em ‘quando nós comemos?”. Ele diz que entre os que tem e os que não tem, estão os que tem um pouco e querem mais, o que é exatamente igual o termo pequeno-burguês do dialeto marxista. Estes seriam a classe média, que em sua visão são seres de personalidade dividida. Por exemplo, estes sempre buscariam a maneira segura de levar a vida, “onde eles podem lucrar com a mudança mas ainda assim sem riscos de perder o pouco que tem”. Por isso, Alinsky diz que os pequeno-burgueses são “enraizados na inércia”, entretanto, mesmo vivendo com interesses conflitantes e contradições, são uma fonte de criatividade. Daí ele constata que estas contradições, na classe média, geraram grandes líderes de mudança na história recente. Alinsky afirma que esta classe expressa comprometimento com mudanças sociais para “ideais de justiça, igualdade e oportunidade”, e daí “se abstém da luta e desencorajam todas as ações efetivas para mudança”. Ele reconhece a classe média pelo seguinte lema: “Eu concordo com seus fins, mas discordo de seus meios”. Chegando até a citar o conservador de direita Edmund Burke, Alinsky diz que a pequena burguesia é composta daqueles referidos pela famosa frase do autor: “A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada”. Voltando aos que tem muito, Alinsky se ilude ao ilustrá-lo como aqueles que vivem em um estado no qual estão “anestesiados”, portanto, podem cometer erros na proteção de seu status quo, menosprezando o poder dos que não tem. Daí, para motivar aqueles que ele garante representar, afirma que “a grande lei da mudança prepara o anestesiamento da vítima antes da cirurgia social ocorrer”. Seja lá como for, independente do mapeamento das classes de Alinsky ser contestável, a proposta dele é reta: “são páginas para cooperar com a grande lei da mudança”. Logicamente, ele também entende que sem palavras de motivação, nada funcionaria, portanto sua ação tem que ser baseada no otimismo, de forma a contagiar os outros. Assim, o ato de se imaginar um futuro belo, não significa que ele vai ser conquistado, mas sim que esta esperança dará uma motivação para a mudança. Exatamente por isso ele já alerta seu leitor: “Às vezes nós desanimamos, mas isso não significa que não estejamos fazendo progressos”. Esta é a mensagem que ele quer transmitir: “A busca da felicidade não tem fim, e a felicidade está nessa busca”. Alinsky doura todo e qualquer escrito seu constatando que todas as revoluções são “geradas por valores espirituais e considerações sobre justiça, igualdade, paz e fraternidade”. Daí, ele conclui que a “maior revolução a ser ganha no futuro imediato é o desmantelamento da ilusão do homem de que o seu bem estar pode existir separado de todos os outros”. Feito isso, o ponto de partida dele é baseado em idealizar esta utopia, mesmo que ele tenha afirmado o contrário anteriormente. Ainda mais rancoroso, ele diz que o “desapego ao bem estar dos outros é imoral de acordo com os preceitos da civilização judaico-cristã, mas ainda pior, sendo uma estupidez digna dos animais mais baixos”. Tentando racionalizar seus idéias, ele diz que a constatação de que cada um deve ser “o protetor de seu irmão” não deve surgir por causa da “boa natureza” humana, mas por auto-intereresse, pois: “Se ele não divide o seu pão, pode ter medo de dormir, já que seu vizinho irá matá-lo. Para alimentar e dormir em segurança o homem deve fazer a coisa certa, mesmo que pelas razões erradas, e, na prática se tornar o protetor de seu irmão”. Por fim, Alinsky conclui seu capítulo sobre o propósito de sua iniciativa afirmando que esta é sua “base moral”, sempre profetizada em tom ameaçador, copiado do estilo marxista: “O homem precisa aprender que ou ele divide parte de seus bens pessoais ou perderá tudo; e que ele precisa respeitar e aprender a viver com outras ideologias políticas se ele quiser que a civilização avande”. Alguns pensariam: por que Alinsky usa este tom? Eis a resposta, com a qual ele conclui seu primeiro capítulo: “Este é o tipo de argumento que a experiência atual do homem o permite compreender e aceitar. Esta é a estrada vil para a moralidade. Não há outra”. Dos meios e fins O capítulo 2 (ver a parte anterior, “Pt1. – O Propósito”, de “Um Raio X das regras para radicais de Saul Alinsky”) de Regras para Radicais é o mais complicado, em termos morais, para ser assimilado por quem é de direita, pois nele Saul Alinsky simplesmente justifica a “moral esquerdista”. Esta pode ser resumida em “não há regras, desde que venham os resultados”. Para isso, ele delineou as seguintes regras morais relacionadas especificamente a meios e fins: 1. A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão; 2. O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento; 3. Na guerra, o fim justifica quase quaisquer meios; 4. O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico; 5. A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa; 6. Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios; 7. Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas; 8. A moralidade dos meios dependem do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente; 9. Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos; 10. Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais; 11. Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, “Do bem estar comum”, “Busca da felicidade”, ou “Pão e paz”. O que se nota é que quando Olavo de Carvalho denuncia a esquerda por seu raciocínio de que quaisquer meios justificam os fins, em uma extensão do maquiavelismo adotado por Gramsci , ele não está exagerando. Sim, é verdade que um dos maiores motivos de preocupação pela existência de uma hegemonia de esquerda é o fato de que temos no poder pessoas que entendem que tudo está a priori justificado, por causa do futuro maravilhoso prometido. Mas eu entendo que devamos procurar olhar um pouco além e entender um pouco a mente de Alinsky e o que ele quis dizer com algumas de suas regras morais. De onde elas se originam? Quais suas motivações? Por que elas são tão facilmente justificáveis aos que a defendem? Segundo ele, o questionamento sobre meios e fins é equivocado, pois a questão “Os meios justificam os fins” é vazia de sentido. Melhor seria a questão: “Este fim particular justifica este meio particular?” Isto se adaptaria melhor ao mindset do que ele define como um homem de ação, que deveria pensar em termos estratégicos e pragmáticos. Desta forma Ele não tem qualquer outro problema. Ele pensa de acordo com seus meios atuais e as possibilidades dentre várias escolhas de ação. Em relação aos fins, ele os questiona apenas no que diz respeito a eles serem alcançáveis e valerem a pena; em relação aos meios, no que diz respeito a se irão funcionar ou não. Ao dizer que os meios corrompem os fins estamos acreditando na concepção imaculada dos fins e princípios. A arena verdadeira é corrupta e sangrenta. O que podemos entender é que, para o esquerdista, a lógica da inexistência de regras morais é muito fácil de ser assimilada, pois eles entendem que o mundo no qual estão é baseado nestas regras. Assim, para eles os burgueses são os responsáveis por todos os males, mesmo que mintam e simulem uma moralidade que não possuiriam. Por isso, o que ele defende é “faça ao oponente exatamente o que achou que ele faz com você”. Ele cita Goethe quando ele dizia que “consciência é uma virtude dos observadores e não dos agentes de ação”. Uma ação ao mesmo tempo consistente com sua consciência individual e o “bem da humanidade” é um luxo que não caberia aos agentes de mudança. Na dúvida, a escolha deveria ser pelo bem da humanidade, ao invés de sua própria consciência. Esta frase resume bem essa máxima: “Ação serve à salvação de massa e não à salvação pessoal do indivíduo”. Essas racionalizações todas facilitam muito a internalização do conceito de, conforme apontado por Olavo, todas as ações estarem a priori justificadas. Alinsky contra-argumenta vários discursos de pessoas que questionam essa ética maquiavélica. Para ele, “estes estão comprometidos de forma apaixonada com uma objetividade mística onde as paixões são suspeitas”. Ele sentencia: Eles assumem uma situação não-existente onde os homens planejam e definem meios de maneira desapaixonada e racional como se estivessem estudando uma carta de navegação em terra. Nota-se que ele não possui muito respeito para com aqueles que discutem muito questões morais antes de agirem. Para ele, pode-se reconhecer estas pessoas por duas marcas verbais: “Nós concordamos com os fins, mas não com os meios”, ou “Este não é o momento”. Em cima destes mapeamentos, ele avalia que “os moralistas dos meios-e-fins ou omissos nunca conseguem seus fins, sem usar quaisquer meios”. Assim como Marx criticava a “ética burguesa”, Alinsky diz que estes moralistas dos meios-e-fins que são obcecados com a “ética dos meios e fins utilizadas pelos que não tem contra os que tem” deveriam reavaliar qual sua real posição política. Para ele, quem fica muito apegado à ética de meios e fins, está do lado dos burgueses. Seu desprezo por estas pessoa é tamanho que ele chega a compará-los aqueles que poderiam ter usado muito mais meios no início da Segunda Guerra Mundial para barrar os nazistas mas não o fizeram, e, com isso, condenaram os judeus ao Holocausto . Isso o leva a mais uma racionalização que com certeza tem efeito poderoso: “Isto é o cumulo da imoralidade. O menos ético de todos os meios relaciona-se à não-utilização de quaisquer meios” . Racionalizações sobre a ética do vale tudo alinskyana A partir de agora, vejamos em maior detalhe algumas das racionalizações que Alinsky traz aos seus leitores para facilitar a digestão de uma ética na qual tudo é permitido e nada é vetado. Em relação a regra um (“A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão”), ele afirma que quando não estamos diretamente preocupados com uma questão, nossas intenções morais se tornam abundantes. Ele cita Le Rochefoucauld: “todos nós temos força suficiente para suportar as desgraças dos outros”. Para esta regra, Alinsky define uma outra, paralela: “A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com a distância dele em relação à cena do conflito”. Para justificar a regra dois (“O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento”), ele novamente relembra a questão da guerra contra os nazistas. Ele afirma que “os que se opuseram ativamente aos nazistas e se juntaram a Resistência, adotaram os meios do assassinato, terror, destruição de propriedades, bombeamento de túneis e trens, seqüestro e a disposição em sacrificar reféns inocentes para atender ao objetivo de derrotar os nazistas”. Os que se opunham aos conquistadores nazistas avaliavam a Resistência “como um exército secreto de idealistas patrióticos, dedicados, corajosos além das expectativas e dispostos a sacrificar suas vidas de acordo com suas convicções morais”. Para as autoridades da ocupação nazista, entretanto, “estas pessoas eram terroristas fora da lei, assassinos, sabotadores, que acreditavam que o fim justifica os meios, e agiam de forma completamente anti-ética de acordo com as regras místicas da guerra”. A glorificação da Resistência até hoje pelos vitoriosos na guerra provaria este ponto. Alinsky afirma que a história é composta de “julgamentos morais” com base em política. Veja a afirmação abaixo: Nós condenamos o fato de Lenin ter aceito dinheiro dos alemães em 1917 mas fomos discretamente silenciosos enquanto nosso Coronel William B. Thompson no mesmo ano contribuiu com um milhão de dólares para os anti-bolcheviques na Rússia. Como aliados dos soviéticos na Segunda Guerra Mundial, nós louvamos e comemoramos as táticas comunistas de guerrilha quando os russos as usaram contra os nazistas durante a invasão alemã da União Soviética; e nós denunciamos as mesmas táticas quando elas são utilizadas por forças comunistas em diferentes partes do mundo contra nós. Nessa análise, ele conclui que “os meios da oposição, utilizados contra nós, são sempre imorais e nossos meios são sempre éticos e enraizados nos valores éticos mais elevados”. Sobre a terceira regra (“Na guerra, os fins justificam quase quaisquer meios”), ele afirma que os acordos sobre as convenções de Genebra só são respeitados por medo de retaliação dos oponentes, e não por causa dos acordos em si. Ele cita o caso de Churchill quando este foi questionado por sua aliança com os russos na época da Segunda Guerra Mundial e se a achava constrangedora: “De maneira alguma. Eu tenho apenas um objetivo, a destruição de Hitler, e minha vida se torna muito simplificada deste modo. Se Hitler invadisse o inferno eu teria feito ao menos uma referência favorável ao demônio na Câmara dos Comuns”. Alinsky ilustra a quarta regra (“O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico”) trazendo uma citação de John C. Miller a respeito do caso do Massacre de Boston , que reproduzo também a seguir: As atrocidades inglesas, por si só, não foram capazes de convencer a população de que havia ocorrido um crime na noite de 5 de março: havia uma confissão obtida no leito de morte de Patrick Carr, afirmando que os habitantes locais haviam sido os agressores e que os soldados atiraram em legítima defesa. Esta declaração indesejada de um dos mártires que estavam morrendo no odor da santidade com a qual Sam Adams os havia vestido lançou uma onda de alarme nas linhas patriotas. Mas Adams amaldiçoou o testemunho de Carr aos habitantes da Nova Inglaterra denunciando-o como um “papista” irlandês que provavelmente morreu em confissão da Igreja Católica Romana. Após Sam Adams ter demolido publicamente Patrick Carr nem mesmo os Tories ousavam citá-lo para provar que os bostonianos foram responsáveis pelo massacre. Alinsky avalia este relato dizendo que “para os britânicos este foi um exemplo de mentiras e vilezas, pelo uso de táticas imorais e intolerantes, que seriam características dos revolucionários”. Para para os Filhos da Liberdade e os patriotas, a ação de Sam Adams foi uma “estratégia brilhante, digna de um salvador de vidas enviado por Deus”. Ele avalia que hoje em dia nós podemos avaliar as ações de Adams da mesma forma que os ingleses fizeram, mas lembra que hoje em dia não estamos envolvidos em uma revolução contra o império britânico. Por isso, Alinsky defende que os padrões éticos devem ser elásticos para esticarem-se com os tempos. Na defesa da regra cinco (“A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa”), ele cita uma história pessoal na qual um simpatizante, do lado dele, tinha evidências que um dos executivos de uma corporação contra a qual lutavam era gay. Alinsky diz que declinou de usar isso, mas ao mesmo tempo declara: Tão longe, tão nobre; mas, se eu estivesse convencido de que a única maneira pela qual eu poderia vencer fosse usar isso contra ele, então sem quaisquer reservas eu usaria. Qual seria minha alternativa? Afundar-me em indignação “moral” auto-indulgente dizendo: “Eu preferiria perder do que corromper meus princípios?”, e então ir para casa com meu hímem ético intacto? O fato de que 40,000 pobres iriam perder sua guerra contra a falta de esperança e desespero seria trágico demais. Alinsky não dá uma justificativa para a sexta regra (“Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios”), mas em relação a sétima (“Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas”) ele nos relembra que o julgamento da história tem muito mais a ver com o sucesso das ações do que com os meios utilizados par alcançá-los. É por isso que, segundo ele, os pais fundadores são considerados heróis patriotas, e não meramente traidores. Se tivessem fracassado, a história os teria percebido de maneira diferente. Já na oitava regra (“A moralidade dos meios depende do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente”), ele nos relembra que alguns meios considerados altamente imorais possuem um atenuante, em termos de julgamento público, caso tenham sido usados em circunstâncias desesperadas. Ele cita o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, que garantiu a vitória dos aliados. Até hoje existe um questionamento sobre a imoralidade dessa ação, já que o Japão estava prestes a se render. Alinsky diz que se a bomba fosse lançada imediatamente após o ataque a Pearl Harbor (quando a nação temia uma invasão da Costa Pacífica, a frota pacífica estava no fundo do mar e todas as forças americanas na Europa), então “o uso da bomba naquele momento seria alardeado universalmente como uma retribuição justa de fogo, granizo e enxofre”. Mais ainda, seria considerado “um triunfo sobre o mal”. Para ele, quem nega estes fatos (o de que o julgamento sobre o lançamento da bomba seria completamente diferente se os Estados Unidos estivessem em situação desesperadora), são “ou tolos, ou mentirosos, ou ambos”. Quanto a regra nove (“Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos”), Alinsky traz a história de um dos maiores heróis revolucionários, Francis Marlon, da Carolina do Sul. Marlon ficou conhecido por suas táticas de guerrilha que inspiraram muitos dos guerrilheiros modernos. Cornwallis e o Exército Britânico tiveram suas operações e planos completamente desnorteados e desorganizados pelas táticas de Marlon. Furiosos com a efetividade de suas operações, e incapazes de lidar com elas, os britânicos o denunciaram como criminoso, dizendo que ele não atuou no combate “como um homem honrado, ou mesmo um cristão”. Essa denunciação contundente a respeito de sua falta de ética e moralidade ocorreu principalmente pelo uso de suas táticas de guerrilha como um meio de se vencer a Revolução. Para a décima regra (“Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais”), ele diz que no campo de ação, a primeira questão determinante é se os meios (para um fim em particular) estão disponíveis. Para isso, é preciso avaliar as forças presentes e que possam ser utilizadas. Vejamos um pouco mais sobre essa avaliação: Isso envolve passar por uma peneira os múltiplos fatores que se combinam na criação das circunstâncias em um dado período, e um ajustamento às visões da opinião pública e seu clima. Questões a respeito do quanto tempo é necessário ou está disponível devem ser consideradas. Quem, e quantos mais, irão apoiar a ação? A oposição possui poder a ponto de poder suspender ou mudar as leis? A extensão de seu controle do poder de polícia chega ao ponto onde a mudança legal e ordenada é impossível? Se as armas são necessárias, existem armas adequadas disponíveis? A disponibilidade dos meios influencia o quanto você atuará de forma clandestina ou pública, rápida ou vagarosamente; movido por mudanças extensivas ou ajustes limitados; ou mesmo se você irá realizar movimentos. A ausência de quaisquer meios poderá levar alguém ao martírio na esperança de que este fato seja um catalizador, iniciando uma cadeia de reações que culminariam em um movimento de massa. Aqui uma simples declaração ética pode ser usada como um meio para obtenção do poder. Exemplos dessa regra estão naquilo que Alinsky percebe como a essência dos discursos de Lenin após seu retorno do exílio. Um resumo do pensamento de Lenin era: “Eles tem as armas e portanto nós precisamos declarar que lutaremos pela paz e por reformas através das eleições. Quando nós tivermos as armas, então iremos nos impor pela bala”. E foi exatamente isso que ocorreu. O maior exemplo está na visão popular de Gandhi como uma ilustração do mais alto comportamento moral, no que diz respeito aos meios e fins. Para demolir a visão ingênua que muitos tem do apóstolo da não-violência, Alinsky traz registros históricos mostrando que Gandhi fez uma avaliação das forças e fraquezas do exército revolucionário ao seu lado, e registros em sua autobiografia mostram que ele se indignava com a ausência de retaliação em direção aos britânicos. Em resumo, Gandhi fez uma avaliação dos meios disponíveis, e descobriu que não apenas não dispunha de armas, como também não dispunha de pessoas motivadas a lutar. Gandhi disse em 1930: “Espiritualmente, o desarmamento compulsório tirou nossa virilidade, e a presença de um exército de ocupação estrangeiro, utilizado com efeito mortal para nos abalar no espírito de resistência, nos fez pensar que não podemos cuidar de nós mesmos ou estabelecer uma defesa contra agressoras estrangeiros, ou mesmo defender nossas casas e famílias”. Alinsky nota que estas palavras “mais que sugerem que se Gandhi tivesse as armas para a resistência violenta e as pessoas para utilizá-las, este meio não seria rejeitado com tantas reservas como o mundo gosta de pensar”. Só que, quando Nehru encarou uma disputa com o Paquistão sobre Kashmir, não hesitou em usar força bélica. Mas aí os arranjos do poder se alteraram, pois a Índia tinha armas e um exército treinado para utilizá-las. Nehru Gandhi foi um exímio estrategista, pois, quando não tinha os meios à sua disposição, ele fez o que podia com a tentativa de rotular suas ações as mais morais possíveis, e, aí entrou seu discurso de não-violência. Tudo funcionou ainda melhor por que seus oponentes britânicos vinham de uma tradição moral em que pregavam ideais de “liberdade e tolerância”, logo, ele entrou em um território que poderia constrangê-los ao optar pela política de não violência. Obviamente, isso não funcionaria diante de um governo totalitário em sua ideologia como o de Hitler, por exemplo. De forma pragmática, Alinsky conclui a análise da estratégia de Gandhi, dizendo que “de um ponto de vista pragmático, a resistência passiva não era apenas possível, como o meio mais efetivo que podia ser selecionado para abortar o controle britânico sobre a Índia”. Para Alinsky, apelos a “uma lei maior que a lei feita pelos homens” significam apenas manifestações dos poderosos para controlar a massa e manter o status quo. Não só a moral vigente, como as leis, seriam feitas para a manutenção do poder. Quando os que não tem possuem sucesso e se tornam pessoas que tem o poder, “eles estão na posição de tentar manter o que conseguiram e seu padrão de moralidade se modifica com esta mudança de posição no padrão de poder” . O caso de Gandhi, usando a moral da resistência passiva contra os britânicos, mas descarregando forte poder de fogo sobre os paquistaneses, é sintomático. Sam Adams, que lutou como revolucionário, teve que mentir manipulando os valores morais da população, mas, após o sucesso da Revolução americana, demandou a execução dos americanos que participaram da Rebelião de Shay, dizendo que ninguém tinha direito de participar de uma revolução contra os Estados Unidos. É nesse ponto, com esse tipo de constatação realista e crua, que Alisnky começa a se distanciar de Maquiavel. Veja: Racionalização moral é indispensável em todos os instantes da ação no que diz respeito a justificar a seleção ou o uso dos meios e fins. A cegueira de Maquiavel para a necessidade de uma roupagem moral para todas as ações e motivos – ele dizia que a política não tinha relação com a moral – foi sua maior fraqueza. Ele nos relembra que todos os grandes líderes (Churchill, Gandhi, Lincoln e Jefferson) sempre invocaram “princípios morais” para cobrir a nudez de ações de auto-interesse com roupas como “liberdade”, “igualdade para a humanidade”, “uma lei acima das leis dos homens”, e daí por diante. Ele faz um adendo especial a essa regra, que explica muita coisa: “Todas ações efetivas requerem o passaporte da moralidade”. Por fim, a décima primeira regra (“Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, “Do bem estar comum”, ‘Busca da felicidade’, ou ‘Pão e paz’”), estende os padrões da regra anterior. Ele cita Whitman, que teria dito: “O objetivo uma vez nomeado, não pode ser revogado”. Estas onze regras morais definidas por Alinsky devem ser o começo do jogo interno de todo aquele que for participar de ações de mudança, caso estas ações sejam de esquerda. Todos os valores mais “elevados” devem dar adorno a qualquer ação. Ele diz que “a democracia não é um fim; mas sim o melhor meio político disponível na conquista destes valores”. Ele retorna, ao final do capítulo, à sua asserção com que o abriu. A verdadeira questão, para Alinsky, jamais deveria ser “O fim justifica os meios?”, mas sim “Este fim particular justifica esse meio particular?”. Isso tudo torna toda a questão da ética de meios e fins elástica o suficiente para qualquer coisa que um esquerdista queira fazer. Um calcanhar de Aquiles para a direita? Acho muito difícil aplicar as onze regras morais para qualquer grupo político de direita, especialmente pelo fato de que a moral judaico-cristã, que define a busca da verdade, pode criar uma série de dissonâncias cognitivas nos adeptos. Em minha experiência neste blog, sempre que eu divulguei uma informação inconsistente, leitores conservadores me pediram para corrigir. (Se fosse um blog de esquerda, e existissem informações falsas contra os oponentes, me pediriam para prosseguir nas mentiras) Logo, uma moral que diz “faça o que quiser” simplesmente não vai servir, e colocará os conservadores em um conflito interno tão grande que não conseguirão aproveitar nada. A questão que resta é: adotando o mindset conservador de direita, ainda é possível assimilar algo a respeito de todo o trabalho que Alinsky fez em sua elaboração destas 11 regras éticas? A resposta é sim! Antes, vamos com cuidado. O que quero dizer é que a base destas regras sobre a ética não pode se sobrepor à uma ética pessoal que o direitista tenha. Entretanto, conteúdo de classe, isto é, um conteúdo antagonístico. A norma moral é tanto mais categórica quanto menos é “obrigatória para todos”. A solidariedade dos operários,· “Não existem, então, preceitos morais elementares elaborados pelo desenvolvimento da humanidade e indispensáveis à vida de qualquer coletividade? Existem, sem dúvida, mas sua eficácia é muito incerta e limitada. As normas “obrigatórias para todos” são tanto menos eficazes quanto mais áspera se torna a luta de classes. A guerra civil, forma culminante da luta de classes, suprime violentamente todos os laços morais entre as classes adversas.” (Trostky) “As normas morais “obrigatórias para todos” adquirem, dentro da realidade, um ·ecletismo arlequinesco, deve reconhecer que a moral é um produto do desenvolvimento social; que ela não tem nada de imutável; que serve aos interesses da sociedade; que esses interesses são contraditórios; que, mais que qualquer outra forma ideológica, a moral tem um caráter de classes.” (Trotsky) · “Invocar em nossos dias as “verdades eternas” da moral significa tentar fazer retroceder o pensamento.” (Trotsky) “Quem não quiser voltar a Moisés, Cristo ou Maomé, nem satisfazer-se com um ·usar vários estratagemas, enganos, procedimentos ilegais, usar o silêncio, a dissimulação da verdade para penetrar nos sindicatos, permanecer neles, desenvolver neles a qualquer custo o embrião comunista.” (Lênin) · “Lênin ensinou, como se sabe, que, para atingir o objetivo almejado, os bolchevistas podem, e às vezes devem, usar qualquer estratagema, como o silêncio e a dissimulação da verdade…” (Lênin). “É necessário saber adaptar-se a tudo, a todos os sacrifícios e até, se necessário for, · “O melhor revolucionário é um jovem desprovido de toda moral” (Lênin) · “Subordinamos nossa ética à tarefa da luta de classes” (Lenin). · “Justo é o que favorece a Revolução e injusto é o que dificulta” (Lênin) · “A moral, é a impotência colocada em ação” (Marx) · “O comunismo, porém, abole as verdades eternas, abole a religião e a moral” (Marx) · trás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.” (Marx) ·conscientizações devem ser feitas para que a sua ética não o torne um ingênuo perante os esquerdistas. Por exemplo, um fator que faz a diferença para os esquerdistas em debate contra os direitistas é que estes tem uma extrema habilidade em mentir. Como se nota nas regras de Alinsky, mentir não é um problema, pois é um meio para se obter um resultado (e, segundo ele, não obter um resultado é mais imoral que não obtê-lo). Mas se um oponente tem o direito de mentir, e você não, isso significa que o jogo está perdido para você? Não, pois é possível converter essa possível fraqueza (no jogo, e não uma fraqueza moral, que fique bem claro) em algo positivo. O uso da mentira deliberada faz a diferença na guerra intelectual para a esquerda. Como vimos em Alinsky, que nada mais faz do que levar às últimas conseqüências aquilo que Marx, Lenin e Trostky já pregaram, se a informação é conveniente à classe, ela é divulgada, e até ampliada. Se não for, maquia-se a informação de forma a favorecer à classe. A mentira passa a ser uma estratégia que definirá os grandes representantes da ideologia. Os maiores mentirosos serão os líderes. Segue uma listinha básica: “A lei, a moral, a religião são preconceitos burgueses, a internas da luta.” (Trotsky ) É aí que o pensador maquiavélico poderia objetar: de que forma combater um mentiroso senão mentindo ainda mais que ele? Poderia até ser, se não fosse o fato de que esse fator (o uso da mentira de forma deliberada) conspira contra a moral absoluta na qual muitos conservadores de direita acreditam. Se eu chegar para um conservador de direita e dizer ”Vamos armar uma mentira com esses dados e capitalizar?”, os leitores fugiriam. Logo, esse fator existe e é algo que conspiraria, a princípio, a favor dos esquerdistas. Eles tem uma ferramenta em mãos que podem usar à vontade, e nós, da direita, temos freios morais que nos impedem de usá-la. Sendo assim, na perspectiva maquiavélica, perdemos o jogo? É aí que não, e é aí que o jogo deve ser revertido a nosso favor, e justamente por um princípio básico: quem mente mais, tem mais sujeiras a serem descobertas. É o mesmo princípio que explica que a pessoa honesta tem muito menos a temer que o desonesto. Essa é uma das motivações (mas não a única) para o desenvolvimento do meu framework de ceticismo político, de forma que, a partir do momento em que um esquerdista abrir a boca, começa uma investigação. A partir do momento em que se inicia um debate com um esquerdista, deve-se estar preparado para que ele minta o quanto conseguir (pois, de acordo com a lógica de Alinsky, este é o seu meio disponível), e, caso estas mentiras surjam, desmascare todas as mentiras, sem deixar de expor claramente à platéia que o oponente se trata de um mentiroso. Sendo a mentira a principal iniciativa dos esquerdistas, mas não dos direitistas , a única contra-medida aceitável de um direitista deve ao mesmo tempo estar alinhada com os princípios desse direitista e também neutralizar a ação da esquerda. Uma mentira só pode ser neutralizada com uma refutação, e a conseqüente exposição deste mentiroso. Senão, de que forma descobrimos os picaretas dentro das organizações senão através da função de Auditoria? E a função da Auditoria é feita dentro de parâmetros totalmente alinhados com a Direção da Organização, e ela é basicamente honesta. Uma das principais características de um bom auditor é a honestidade. Por isso, da mesma forma, não vamos nos rebaixar ao nível do oponente e usar a ferramenta de mentira delib·M as isso significa apenas que a moral idealista é contra-revolucionária, isto é, encontra-se a serviço dos exploradores.” (Trotsky) “O juízo moral está condicionado, como o juízo político, pelas necessidades ·como a violência e o homicídio.” (Trotsky) “Do ponto de vista das “verdades eternas” a revolução é, naturalmente, “imoral”. ·especialmente nas greves ou por detrás das barricadas, é infinitamente mais “categórica” que a solidariedade humana em geral.” (Trostsky) “O fim (a democracia ou o socialismo) justifica, em certas circunstâncias, meios erada que eles usam. A sugestão é, ao contrário, aumentar o foco no ceticismo e na auditoria das alegações deles. E, para isso, a atitude honesta deve ser um valor que não pode ser negado de forma alguma. A substituição da tática da mentira praticada pelos esquerdistas pelo uso da refutação constante e ridicularização do mentiroso do outro lado é um exemplo de que, com uma adaptação aqui e ali, podemos aprender bastante com as regras de Saul Alinsky. Aliás, podemos, mais do que vê-las como regras, assumi-las como constatações de como o ser humano é, e então aumentar ainda mais o grau de preparação de conservadores de direita para a guerra política. Por exemplo, se há uma regra que define o uso de metas associadas a valores “elevados” por esquerdistas, mesmo que isso esconda iniciativas torpes, somente a desmoralização pública desta falsa rotulagem poderá neutralizar a iniciativa esquerdista. E, se Alinsky diz que a rotulagem pode ser mentirosa no caso do esquerdista, faça então a rotulagem correta, divulgue isso ao público e deixe claro que o esquerdista mentiu na rotulagem. A única coisa que eu poderia definir como intolerável, a partir desse conhecimento que você tem agora, é adotar uma postura de ingenuidade em relação até onde os esquerdistas podem ir. Independentemente de eu colocar aqui uma recomendação de restrição na aplicação nas regras de Alinsky (se para ele vale tudo, eu defendo que não se chegue a este ponto se você for de direita), não deixe que isso se transforme em ingenuidade. Ao contrário, transforme aquilo que poderia ser convertido em ingenuidade a seu favor, para aumentar o aspecto moral de suas refutações às mentiras do oponente. Dos meios e fins O capítulo 2 (ver a parte anterior, “Pt1. – O Propósito”, de “Um Raio X das regras para radicais de Saul Alinsky”) de Regras para Radicais é o mais complicado, em termos morais, para ser assimilado por quem é de direita, pois nele Saul Alinsky simplesmente justifica a “moral esquerdista”. Esta pode ser resumida em “não há regras, desde que venham os resultados”. Para isso, ele delineou as seguintes regras morais relacionadas especificamente a meios e fins: 1. A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão; 2. O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento; 3. Na guerra, o fim justifica quase quaisquer meios; 4. O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico; 5. A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa; 6. Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios; 7. Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas; 8. A moralidade dos meios dependem do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente; 9. Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos; 10. Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais; 11. Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, “Do bem estar comum”, “Busca da felicidade”, ou “Pão e paz”. O que se nota é que quando Olavo de Carvalho denuncia a esquerda por seu raciocínio de que quaisquer meios justificam os fins, em uma extensão do maquiavelismo adotado por Gramsci , ele não está exagerando. Sim, é verdade que um dos maiores motivos de preocupação pela existência de uma hegemonia de esquerda é o fato de que temos no poder pessoas que entendem que tudo está a priori justificado, por causa do futuro maravilhoso prometido . Mas eu entendo que devamos procurar olhar um pouco além e entender um pouco a mente de Alinsky e o que ele quis dizer com algumas de suas regras morais. De onde elas se originam? Quais suas motivações? Por que elas são tão facilmente justificáveis aos que a defendem? Segundo ele, o questionamento sobre meios e fins é equivocado, pois a questão “Os meios justificam os fins” é vazia de sentido. Melhor seria a questão: “Este fim particular justifica este meio particular?” Isto se adaptaria melhor ao mindset do que ele define como um homem de ação, que deveria pensar em termos estratégicos e pragmáticos. Desta forma Ele não tem qualquer outro problema. Ele pensa de acordo com seus meios atuais e as possibilidades dentre várias escolhas de ação. Em relação aos fins, ele os questiona apenas no que diz respeito a eles serem alcançáveis e valerem a pena; em relação aos meios, no que diz respeito a se irão funcionar ou não. Ao dizer que os meios corrompem os fins estamos acreditando na concepção imaculada dos fins e princípios. A arena verdadeira é corrupta e sangrenta. O que podemos entender é que, para o esquerdista, a lógica da inexistência de regras morais é muito fácil de ser assimilada, pois eles entendem que o mundo no qual estão é baseado nestas regras. Assim, para eles os burgueses são os responsáveis por todos os males, mesmo que mintam e simulem uma moralidade que não possuiriam. Por isso, o que ele defende é “faça ao oponente exatamente o que achou que ele faz com você”. Ele cita Goethe quando ele dizia que “consciência é uma virtude dos observadores e não dos agentes de ação”. Uma ação ao mesmo tempo consistente com sua consciência individual e o “bem da humanidade” é um luxo que não caberia aos agentes de mudança. Na dúvida, a escolha deveria ser pelo bem da humanidade, ao invés de sua própria consciência. Esta frase resume bem essa máxima: “Ação serve à salvação de massa e não à salvação pessoal do indivíduo”. Essas racionalizações todas facilitam muito a internalização do conceito de, conforme apontado por Olavo, todas as ações estarem a priori justificadas. Alinsky contra-argumenta vários discursos de pessoas que questionam essa ética maquiavélica. Para ele, “estes estão comprometidos de forma apaixonada com uma objetividade mística onde as paixões são suspeitas”. Ele sentencia: Eles assumem uma situação não-existente onde os homens planejam e definem meios de maneira desapaixonada e racional como se estivessem estudando uma carta de navegação em terra. Nota-se que ele não possui muito respeito para com aqueles que discutem muito questões morais antes de agirem. Para ele, pode-se reconhecer estas pessoas por duas marcas verbais: “Nós concordamos com os fins, mas não com os meios”, ou “Este não é o momento”. Em cima destes mapeamentos, ele avalia que “os moralistas dos meios-e-fins ou omissos nunca conseguem seus fins, sem usar quaisquer meios”. Assim como Marx criticava a “ética burguesa”, Alinsky diz que estes moralistas dos meios-e-fins que são obcecados com a “ética dos meios e fins utilizadas pelos que não tem contra os que tem” deveriam reavaliar qual sua real posição política. Para ele, quem fica muito apegado à ética de meios e fins, está do lado dos burgueses. Seu desprezo por estas pessoa é tamanho que ele chega a compará-los aqueles que poderiam ter usado muito mais meios no início da Segunda Guerra Mundial para barrar os nazistas mas não o fizeram, e, com isso, condenaram os judeus ao Holocausto . Isso o leva a mais uma racionalização que com certeza tem efeito poderoso: “Isto é o cumulo da imoralidade. O menos ético de todos os meios relaciona-se à não-utilização de quaisquer meios” . Racionalizações sobre a ética do vale tudo alinskyana A partir de agora, vejamos em maior detalhe algumas das racionalizações que Alinsky traz aos seus leitores para facilitar a digestão de uma ética na qual tudo é permitido e nada é vetado. Em relação a regra um (“A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão”), ele afirma que quando não estamos diretamente preocupados com uma questão, nossas intenções morais se tornam abundantes. Ele cita Le Rochefoucauld: “todos nós temos força suficiente para suportar as desgraças dos outros”. Para esta regra, Alinsky define uma outra, paralela: “A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com a distância dele em relação à cena do conflito”. Para justificar a regra dois (“O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento”), ele novamente relembra a questão da guerra contra os nazistas. Ele afirma que “os que se opuseram ativamente aos nazistas e se juntaram a Resistência, adotaram os meios do assassinato, terror, destruição de propriedades, bombeamento de túneis e trens, sequestro e a disposição em sacrificar reféns inocentes para atender ao objetivo de derrotar os nazistas”. Os que se opunham aos conquistadores nazistas avaliavam a Resistência “como um exército secreto de idealistas patrióticos, dedicados, corajosos além das expectativas e dispostos a sacrificar suas vidas de acordo com suas convicções morais”. Para as autoridades da ocupação nazista, entretanto, “estas pessoas eram terroristas fora da lei, assassinos, sabotadores, que acreditavam que o fim justifica os meios, e agiam de forma completamente anti-ética de acordo com as regras místicas da guerra”. A glorificação da Resistência até hoje pelos vitoriosos na guerra provaria este ponto. Alinsky afirma que a história é composta de “julgamentos morais” com base em política. Veja a afirmação abaixo: Nós condenamos o fato de Lenin ter aceito dinheiro dos alemães em 1917 mas fomos discretamente silenciosos enquanto nosso Coronel William B. Thompson no mesmo ano contribuiu com um milhão de dólares para os anti-bolcheviques na Rússia. Como aliados dos soviéticos na Segunda Guerra Mundial, nós louvamos e comemoramos as táticas comunistas de guerrilha quando os russos as usaram contra os nazistas durante a invasão alemã da União Soviética; e nós denunciamos as mesmas táticas quando elas são utilizadas por forças comunistas em diferentes partes do mundo contra nós. Nessa análise, ele conclui que “os meios da oposição, utilizados contra nós, são sempre imorais e nossos meios são sempre éticos e enraizados nos valores éticos mais elevados”. Sobre a terceira regra (“Na guerra, os fins justificam quase quaisquer meios”), ele afirma que os acordos sobre as convenções de Genebra só são respeitados por medo de retaliação dos oponentes, e não por causa dos acordos em si. Ele cita o caso de Churchill quando este foi questionado por sua aliança com os russos na época da Segunda Guerra Mundial e se a achava constrangedora: “De maneira alguma. Eu tenho apenas um objetivo, a destruição de Hitler, e minha vida se torna muito simplificada deste modo. Se Hitler invadisse o inferno eu teria feito ao menos uma referência favorável ao demônio na Câmara dos Comuns”. Alinsky ilustra a quarta regra (“O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico”) trazendo uma citação de John C. Miller a respeito do caso do Massacre de Boston , que reproduzo também a seguir: As atrocidades inglesas, por si só, não foram capazes de convencer a população de que havia ocorrido um crime na noite de 5 de março: havia uma confissão obtida no leito de morte de Patrick Carr, afirmando que os habitantes locais haviam sido os agressores e que os soldados atiraram em legítima defesa. Esta declaração indesejada de um dos mártires que estavam morrendo no odor da santidade com a qual Sam Adams os havia vestido lançou uma onda de alarme nas linhas patriotas. Mas Adams amaldiçoou o testemunho de Carr aos habitantes da Nova Inglaterra denunciando-o como um “papista” irlandês que provavelmente morreu em confissão da Igreja Católica Romana. Após Sam Adams ter demolido publicamente Patrick Carr nem mesmo os Tories ousavam citá-lo para provar que os bostonianos foram responsáveis pelo massacre. Alinsky avalia este relato dizendo que “para os britânicos este foi um exemplo de mentiras e vilezas, pelo uso de táticas imorais e intolerantes, que seriam características dos revolucionários”. Para para os Filhos da Liberdade e os patriotas, a ação de Sam Adams foi uma “estratégia brilhante, digna de um salvador de vidas enviado por Deus”. Ele avalia que hoje em dia nós podemos avaliar as ações de Adams da mesma forma que os ingleses fizeram, mas lembra que hoje em dia não estamos envolvidos em uma revolução contra o império britânico. Por isso, Alinsky defende que os padrões éticos devem ser elásticos para esticarem-se com os tempos. Na defesa da regra cinco (“A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa”), ele cita uma história pessoal na qual um simpatizante, do lado dele, tinha evidências que um dos executivos de uma corporação contra a qual lutavam era gay. Alinsky diz que declinou de usar isso, mas ao mesmo tempo declara: Tão longe, tão nobre; mas, se eu estivesse convencido de que a única maneira pela qual eu poderia vencer fosse usar isso contra ele, então sem quaisquer reservas eu usaria. Qual seria minha alternativa? Afundar-me em indignação “moral” auto-indulgente dizendo: “Eu preferiria perder do que corromper meus princípios?”, e então ir para casa com meu hímem ético intacto? O fato de que 40,000 pobres iriam perder sua guerra contra a falta de esperança e desespero seria trágico demais. Alinsky não dá uma justificativa para a sexta regra (“Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios”), mas em relação a sétima (“Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas”) ele nos relembra que o julgamento da história tem muito mais a ver com o sucesso das ações do que com os meios utilizados par alcançá-los. É por isso que, segundo ele, os pais fundadores são considerados heróis patriotas, e não meramente traidores. Se tivessem fracassado, a história os teria percebido de maneira diferente. Já na oitava regra (“A moralidade dos meios depende do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente”), ele nos relembra que alguns meios considerados altamente imorais possuem um atenuante, em termos de julgamento público, caso tenham sido usados em circunstâncias desesperadas. Ele cita o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, que garantiu a vitória dos aliados. Até hoje existe um questionamento sobre a imoralidade dessa ação, já que o Japão estava prestes a se render. Alinsky diz que se a bomba fosse lançada imediatamente após o ataque a Pearl Harbor (quando a nação temia uma invasão da Costa Pacífica, a frota pacífica estava no fundo do mar e todas as forças americanas na Europa), então “o uso da bomba naquele momento seria alardeado universalmente como uma retribuição justa de fogo, granizo e enxofre”. Mais ainda, seria considerado “um triunfo sobre o mal”. Para ele, quem nega estes fatos (o de que o julgamento sobre o lançamento da bomba seria completamente diferente se os Estados Unidos estivessem em situação desesperadora), são “ou tolos, ou mentirosos, ou ambos”. Quanto a regra nove (“Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos”), Alinsky traz a história de um dos maiores heróis revolucionários, Francis Marlon, da Carolina do Sul. Marlon ficou conhecido por suas táticas de guerrilha que inspiraram muitos dos guerrilheiros modernos. Cornwallis e o Exército Britânico tiveram suas operações e planos completamente desnorteados e desorganizados pelas táticas de Marlon. Furiosos com a efetividade de suas operações, e incapazes de lidar com elas, os britânicos o denunciaram como criminoso, dizendo que ele não atuou no combate “como um homem honrado, ou mesmo um cristão”. Essa denunciação contundente a respeito de sua falta de ética e moralidade ocorreu principalmente pelo uso de suas táticas de guerrilha como um meio de se vencer a Revolução. Para a décima regra (“Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais”), ele diz que no campo de ação, a primeira questão determinante é se os meios (para um fim em particular) estão disponíveis. Para isso, é preciso avaliar as forças presentes e que possam ser utilizadas. Vejamos um pouco mais sobre essa avaliação: Isso envolve passar por uma peneira os múltiplos fatores que se combinam na criação das circunstâncias em um dado período, e um ajustamento às visões da opinião pública e seu clima. Questões a respeito do quanto tempo é necessário ou está disponível devem ser consideradas. Quem, e quantos mais, irão apoiar a ação? A oposição possui poder a ponto de poder suspender ou mudar as leis? A extensão de seu controle do poder de polícia chega ao ponto onde a mudança legal e ordenada é impossível? Se as armas são necessárias, existem armas adequadas disponíveis? A disponibilidade dos meios influencia o quanto você atuará de forma clandestina ou pública, rápida ou vagarosamente; movido por mudanças extensivas ou ajustes limitados; ou mesmo se você irá realizar movimentos. A ausência de quaisquer meios poderá levar alguém ao martírio na esperança de que este fato seja um catalizador, iniciando uma cadeia de reações que culminariam em um movimento de massa. Aqui uma simples declaração ética pode ser usada como um meio para obtenção do poder. Exemplos dessa regra estão naquilo que Alinsky percebe como a essência dos discursos de Lenin após seu retorno do exílio. Um resumo do pensamento de Lenin era: “Eles tem as armas e portanto nós precisamos declarar que lutaremos pela paz e por reformas através das eleições. Quando nós tivermos as armas, então iremos nos impor pela bala”. E foi exatamente isso que ocorreu. O maior exemplo está na visão popular de Gandhi como uma ilustração do mais alto comportamento moral, no que diz respeito aos meios e fins. Para demolir a visão ingênua que muitos tem do apóstolo da não-violência, Alinsky traz registros históricos mostrando que Gandhi fez uma avaliação das forças e fraquezas do exército revolucionário ao seu lado, e registros em sua autobiografia mostram que ele se indignava com a ausência de retaliação em direção aos britânicos. Em resumo, Gandhi fez uma avaliação dos meios disponíveis, e descobriu que não apenas não dispunha de armas, como também não dispunha de pessoas motivadas a lutar. Gandhi disse em 1930: “Espiritualmente, o desarmamento compulsório tirou nossa virilidade, e a presença de um exército de ocupação estrangeiro, utilizado com efeito mortal para nos abalar no espírito de resistência, nos fez pensar que não podemos cuidar de nós mesmos ou estabelecer uma defesa contra agressoras estrangeiros, ou mesmo defender nossas casas e famílias”. Alinsky nota que estas palavras “mais que sugerem que se Gandhi tivesse as armas para a resistência violenta e as pessoas para utilizá-las, este meio não seria rejeitado com tantas reservas como o mundo gosta de pensar”. Só que, quando Nehru encarou uma disputa com o Paquistão sobre Kashmir, não hesitou em usar força bélica. Mas aí os arranjos do poder se alteraram, pois a Índia tinha armas e um exército treinado para utilizá-las. Nehru Gandhi foi um exímio estrategista, pois, quando não tinha os meios à sua disposição, ele fez o que podia com a tentativa de rotular suas ações as mais morais possíveis, e, aí entrou seu discurso de não-violência. Tudo funcionou ainda melhor por que seus oponentes britânicos vinham de uma tradição moral em que pregavam ideais de “liberdade e tolerância”, logo, ele entrou em um território que poderia constrangê-los ao optar pela política de não violência. Obviamente, isso não funcionaria diante de um governo totalitário em sua ideologia como o de Hitler, por exemplo. De forma pragmática, Alinsky conclui a análise da estratégia de Gandhi, dizendo que “de um ponto de vista pragmático, a resistência passiva não era apenas possível, como o meio mais efetivo que podia ser selecionado para abortar o controle britânico sobre a Índia”. Para Alinsky, apelos a “uma lei maior que a lei feita pelos homens” significam apenas manifestações dos poderosos para controlar a massa e manter o status quo. Não só a moral vigente, como as leis, seriam feitas para a manutenção do poder. Quando os que não tem possuem sucesso e se tornam pessoas que tem o poder, “eles estão na posição de tentar manter o que conseguiram e seu padrão de moralidade se modifica com esta mudança de posição no padrão de poder” . O caso de Gandhi, usando a moral da resistência passiva contra os britânicos, mas descarregando forte poder de fogo sobre os paquistaneses, é sintomático. Sam Adams, que lutou como revolucionário, teve que mentir manipulando os valores morais da população, mas, após o sucesso da Revolução americana, demandou a execução dos americanos que participaram da Rebelião de Shay, dizendo que ninguém tinha direito de participar de uma revolução contra os Estados Unidos. É nesse ponto, com esse tipo de constatação realista e crua, que Alisnky começa a se distanciar de Maquiavel. Veja: Racionalização moral é indispensável em todos os instantes da ação no que diz respeito a justificar a seleção ou o uso dos meios e fins. A cegueira de Maquiavel para a necessidade de uma roupagem moral para todas as ações e motivos – ele dizia que a política não tinha relação com a moral – foi sua maior fraqueza. Ele nos relembra que todos os grandes líderes (Churchill, Gandhi, Lincoln e Jefferson) sempre invocaram “princípios morais” para cobrir a nudez de ações de auto-interesse com roupas como “liberdade”, “igualdade para a humanidade”, “uma lei acima das leis dos homens”, e daí por diante. Ele faz um adendo especial a essa regra, que explica muita coisa: “Todas ações efetivas requerem o passaporte da moralidade”. Por fim, a décima primeira regra (“Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, “Do bem estar comum”, ‘Busca da felicidade’, ou ‘Pão e paz’”), estende os padrões da regra anterior. Ele cita Whitman, que teria dito: “O objetivo uma vez nomeado, não pode ser revogado”. Estas onze regras morais definidas por Alinsky devem ser o começo do jogo interno de todo aquele que for participar de ações de mudança, caso estas ações sejam de esquerda. Todos os valores mais “elevados” devem dar adorno a qualquer ação. Ele diz que “a democracia não é um fim; mas sim o melhor meio político disponível na conquista destes valores”. Ele retorna, ao final do capítulo, à sua asserção com que o abriu. A “Justo é o que favorece a Revolução e injusto é o que dificulta” (Lênin)· “A moral, é a impotência colocada em ação” (Marx) · “O comunismo, porém, abole as verdades eternas, abole a religião e a moral” (Marx) · “A lei, a moral, a religião são preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.” (Marx) ·verdadeira questão, para Alinsky, jamais deveria ser “O fim justifica os meios?”, mas sim “Este fim particular justifica esse meio particular?”. Isso tudo torna toda a questão da ética de meios e fins elástica o suficiente para qualquer coisa que um esquerdista queira fazer. Um calcanhar de Aquiles para a direita? Acho muito difícil aplicar as onze regras morais para qualquer grupo político de direita, especialmente pelo fato de que a moral judaico-cristã, que define a busca da verdade, pode criar uma série de dissonâncias cognitivas nos adeptos. Em minha experiência neste blog, sempre que eu divulguei uma informação inconsistente, leitores conservadores me pediram para corrigir. (Se fosse um blog de esquerda, e existissem informações falsas contra os oponentes, me pediriam para prosseguir nas mentiras) Logo, uma moral que diz “faça o que quiser” simplesmente não vai servir, e colocará os conservadores em um conflito interno tão grande que não conseguirão aproveitar nada. A questão que resta é: adotando o mindset conservador de direita, ainda é possível assimilar algo a respeito de todo o trabalho que Alinsky fez em sua elaboração destas 11 regras éticas? A resposta é sim! Antes, vamos com cuidado. O que quero dizer é que a base destas regras sobre a ética não pode se sobrepor à uma ética pessoal que o direitista tenha. Entretanto, conscientizações devem ser feitas para que a sua ética não o torne um ingênuo perante os esquerdistas. Por exemplo, um fator que faz a diferença para os esquerdistas em debate contra os direitistas é que estes tem uma extrema habilidade em mentir. Como se nota nas regras de Alinsky, mentir não é um problema, pois é um meio para se obter um resultado (e, segundo ele, não obter um resultado é mais imoral que não obtê-lo). Mas se um oponente tem o direito de mentir, e você não, isso significa que o jogo está perdido para você? Não, pois é possível converter essa possível fraqueza (no jogo, e não uma fraqueza moral, que fique bem claro) em algo positivo. O uso da mentira deliberada faz a diferença na guerra intelectual para a esquerda. Como vimos em Alinsky, que nada mais faz do que levar às últimas conseqüências aquilo que Marx, Lenin e Trostky já pregaram, se a informação é conveniente à classe, ela é divulgada, e até ampliada. Se não for, maquia-se a informação de forma a favorecer à classe. A mentira passa a ser uma estratégia que definirá os grandes representantes da ideologia. Os maiores mentirosos serão os líderes. Segue uma listinha básica: O juízo moral está condicionado, como o juízo político, pelas necessidades internas da luta.” (Trotsky ) É aí que o pensador maquiavélico poderia objetar: de que forma combater um mentiroso senão mentindo ainda mais que ele? Poderia até ser, se não fosse o fato de que esse fator (o uso da mentira de forma deliberada) conspira contra a moral absoluta na qual muitos· “Do ponto de vista das “verdades eternas” a revolução é, naturalmente, “imoral”. Mas isso significa apenas que a moral idealista é contra-revolucionária, isto é, encontra-se a serviço dos exploradores.” (Trotsky) · “O fim (a democracia ou o socialismo) justifica, em certas circunstâncias, meios como a violência e o homicídio.” (Trotsky) · “As normas morais “obrigatórias para todos” adquirem, dentro da realidade, um conteúdo de classe, isto é, um conteúdo antagonístico. A norma moral é tanto mais categórica quanto menos é “obrigatória para todos”. A solidariedade dos operários, especialmente nas greves ou por detrás das barricadas, é infinitamente mais “categórica” que a solidariedade humana em geral.” (Trostsky) · “Não existem, então, preceitos morais elementares elaborados pelo desenvolvimento da humanidade e indispensáveis à vida de qualquer coletividade? Existem, sem dúvida, mas sua eficácia é muito incerta e limitada. As normas “obrigatórias para todos” são tanto menos eficazes quanto mais áspera se torna a luta de classes. A guerra civil, forma culminante da luta de classes, suprime violentamente todos os laços morais entre as classes adversas.” (Trostky) · “Quem não quiser voltar a Moisés, Cristo ou Maomé, nem satisfazer-se com um ecletismo arlequinesco, deve reconhecer que a moral é um produto do desenvolvimento social; que ela não tem nada de imutável; que serve aos interesses da sociedade; que esses interesses são contraditórios; que, mais que qualquer outra forma ideológica, a moral tem um caráter de classes.” (Trotsky) · “Invocar em nossos dias as “verdades eternas” da moral significa tentar fazer retroceder o pensamento.” (Trotsky) · “É necessário saber adaptar-se a tudo, a todos os sacrifícios e até, se necessário for, usar vários estratagemas, enganos, procedimentos ilegais, usar o silêncio, a dissimulação da verdade para penetrar nos sindicatos, permanecer neles, desenvolver neles a qualquer custo o embrião comunista.” (Lênin) · “Lênin ensinou, como se sabe, que, para atingir o objetivo almejado, os bolchevistas podem, e às vezes devem, usar qualquer estratagema, como o silêncio e a dissimulação da verdade…” (Lênin). · “O melhor revolucionário é um jovem desprovido de toda moral” (Lênin) · “Subordinamos nossa ética à tarefa da luta de classes” (Lenin). · Conservadores de direita acreditam. Se eu chegar para um conservador de direita e dizer ”Vamos armar uma mentira com esses dados e capitalizar?”, os leitores fugiriam. Logo, esse fator existe e é algo que conspiraria, a princípio, a favor dos esquerdistas. Eles tem uma ferramenta em mãos que podem usar à vontade, e nós, da direita, temos freios morais que nos impedem de usá-la. Sendo assim, na perspectiva maquiavélica, perdemos o jogo? É aí que não, e é aí que o jogo deve ser revertido a nosso favor, e justamente por um princípio básico: quem mente mais, tem mais sujeiras a serem descobertas. É o mesmo princípio que explica que a pessoa honesta tem muito menos a temer que o desonesto. Essa é uma das motivações (mas não a única) para o desenvolvimento do meu framework de ceticismo político, de forma que, a partir do momento em que um esquerdista abrir a boca, começa uma investigação. A partir do momento em que se inicia um debate com um esquerdista, deve-se estar preparado para que ele minta o quanto conseguir (pois, de acordo com a lógica de Alinsky, este é o seu meio disponível), e, caso estas mentiras surjam, desmascare todas as mentiras, sem deixar de expor claramente à platéia que o oponente se trata de um mentiroso. Sendo a mentira a principal iniciativa dos esquerdistas, mas não dos direitistas , a única contra-medida aceitável de um direitista deve ao mesmo tempo estar alinhada com os princípios desse direitista e também neutralizar a ação da esquerda. Uma mentira só pode ser neutralizada com uma refutação, e a conseqüente exposição deste mentiroso. Senão, de que forma descobrimos os picaretas dentro das organizações senão através da função de Auditoria? E a função da Auditoria é feita dentro de parâmetros totalmente alinhados com a Direção da Organização, e ela é basicamente honesta. Uma das principais características de um bom auditor é a honestidade. Por isso, da mesma forma, não vamos nos rebaixar ao nível do oponente e usar a ferramenta de mentira deliberada que eles usam. A sugestão é, ao contrário, aumentar o foco no ceticismo e na auditoria das alegações deles. E, para isso, a atitude honesta deve ser um valor que não pode ser negado de forma alguma. A substituição da tática da mentira praticada pelos esquerdistas pelo uso da refutação constante e ridicularização do mentiroso do outro lado é um exemplo de que, com uma adaptação aqui e ali, podemos aprender bastante com as regras de Saul Alinsky. Aliás, podemos, mais do que vê-las como regras, assumi-las como constatações de como o ser humano é, e então aumentar ainda mais o grau de preparação de conservadores de direita para a guerra política. Por exemplo, se há uma regra que define o uso de metas associadas a valores “elevados” por esquerdistas, mesmo que isso esconda iniciativas torpes, somente a desmoralização pública desta falsa rotulagem poderá neutralizar a iniciativa esquerdista. E, se Alinsky diz que a rotulagem pode ser mentirosa no caso do esquerdista, faça então a rotulagem correta, divulgue isso ao público e deixe claro que o esquerdista mentiu na rotulagem. A única coisa que eu poderia definir como intolerável, a partir desse conhecimento que você tem agora, é adotar uma postura de ingenuidade em relação até onde os esquerdistas podem ir. Independentemente de eu colocar aqui uma recomendação de restrição na aplicação nas regras de Alinsky (se para ele vale tudo, eu defendo que não se chegue a este ponto se você for de direita), não deixe que isso se transforme em ingenuidade.
Por que é tão fácil para eles ridicularizarem seus oponentes? A resposta está aqui.
Como as vezes parece tão fácil (de forma até artística) eles colocarem seus adversários em verdadeiras armadilhas, jogando, certas vezes, até com as regras do outro? Novamente, ficará muito mais fácil você entender isso aqui.
Estamos prontos para começar a jornada por dentro da mente de Saul Alinsky.
Prólogo Saul Alinsky nasceu em 1909 e morreu em 1972, um ano depois a publicação deste “Rules for Radicals”. Ele não teve a felicidade de ver que seu trabalho gerou frutos dos quais a esquerda se alimenta vigorosamente até hoje (aliás, cada vez mais), enquanto os conservadores de direita ficam zonzos sem perceber o que está acontecendo com eles. Alinsky, mesmo aos 62 anos na época do lançamento do livro, tinha sua cabeça sintonizada corretamente no que diz respeito à guerra cultural. Escrevia para os jovens, que estavam para entrar ou já estavam nas universidades. Uma boa parte do seu público na época era composta de líderes sindicais, hippies (especialmente aqueles contra a guerra do Vietnã), feministas e adeptos dos movimentos de quaisquer outras minorias. Segundo ele “a força revolucionária” lembrava em certos pontos os “primeiros cristãos”, mesmo que ele reconhesse que estes mesmos revolucionários, em sua visão, “proclamavam a violência e gritavam ‘Derrubem o sistema!’”. Uma das forças mais marcantes em sua análise, todavia, estava naquilo que ele definia como ao mesmo tempo “ausência de ilusões em relação ao sistema, mas muitas ilusões a respeito de como mudar o mundo”, um sinal de que ele tinha consciência de sua utopia. Logo no primeiro parágrafo ele diz que as páginas que o leitor estava por ler “foram escritas em desespero”. Em uma entrevista à Playboy em 1972, dois meses antes de sua morte, ele disse que “se existisse vida após a morte, e me fosse perguntado a respeito, eu escolheria sem pestanejar a oportunidade de ir para o inferno”. O entrevistador lhe perguntou os motivos, recebendo a resposta, em retorno: “O inferno seria um paraíso para mim. Toda minha vida eu estive juntos aos que não tem. Por aqui, se você é um que não tem, você não está aderente à massa. Mas se você é um que não tem no inferno, é pouco virtuoso. Uma vez que eu chegue ao inferno, começarei a organizar os que não tem por lá”. Suas idéias já eram adaptadas no início dos anos 60 para uso pela esquerda nas universidades americanas por causa de sua obra “Reveille for Radicals”, escrita em 1946. Ali já haviam soslaios de sua idéia a respeito do que seria um radical, mas a forma detalhada de como ele devia agir para projetos de conquista de poder está em “Rules for Radicals”. Entre as duas obras, ele escreveu apenas “John L. Lewis: Na Unauthorized Biography”, em 1949, dedicando o resto do seu tempo a vários tipos de militâncias. Embora como veremos suas idéias são inspiradas no marxismo, ele luta para não se identificar com eles, preferindo se auto-rotular como parte de “uma esquerda independente” (embora seu modelo de categorização das classes seja uma réplica do modelo esquerdista, apenas com outra terminologia, como veremos no próximo post da série). Ele também era um crítico ferrenho da forma de atuação radical e violenta de alguns esquerdistas da época. Segundo ele, esse tipo de “participação democrática ‘ativista’se transforma em sua antítese – assassinatos e explosões niilistas”. Por isso ele sempre dizia se distanciar das “panacéias do passado, como as Revoluções na Rússia e China, que se tornaram a mesma coisa de sempre apenas sob um nome diferente”. Em sua visão, “a busca pela liberdade não parece ter uma estrada ou destino”. Para Alinsky, se uma Declaração da Independência fosse escrita por jovens em 1971, trataria de questões “ do Vietnã e da população negra, das vidas nos guetos mexicanos e porto-riquenhos, dos trabalhadores imigrantes, da Appalachia, do ódio, ignorância, doença e fome no mundo”. Segundo ele, “uma carta de direitos enfatizaria o absurdo das relações humanas e do desamparo e vazio, assim como da solidão terrível que resulta de não sabermos se há algum significado para as nossas vidas”. A causa revolucionária, dos “radicais”, seria essa causa para as vidas dos jovens compondo o público alvo de Alinsky. A obra traria, nas palavras do autor, “a experiência e o conselho pelos quais muitos jovens o questionaram em sessões que duravam por toda a noite em centenas de campus na America”. Conclui Alinsky: “Esta obra é para aqueles jovens radicais que são comprometidos com a luta, comprometidos com a vida”. Ele afirma que “existem certos conceitos centrais de ação na política humana que operam independente da cena ou tempo”. Conhecer estes conceitos de ação “é básico para que um ataque pragmático seja feito ao sistema”. Aqui quero ressaltar que, para a absorção melhor do que Alinsky tem a dizer, atacar um sistema de altos impostos, por exemplo, é também um ataque ao sistema, só que um ataque ao sistema esquerdista. Em minha análise, ataques ao sistema deixam de ser, portanto, exclusividade dos esquerdistas. Por outro lado, o rótulo “radical”, utilizado por Alinsky, é útil para ele, mas não sei se os conservadores de direita deveriam utilizá-lo. Um dos pontos mais contundentes do material é a abordagem realista (atenção: apenas no contexto da guerra cultural, é claro). Observem como Alinsky apresenta suas regras: “Estas regras fazem a diferença entre ser um radical realista e aquele retórico que utiliza as velhas palavras e frases de efeito, chamando a polícia de ‘porcos’ ou ‘racistas fascistas brancos’ ou ‘filhos da puta’, tornando a si próprio tão estereotipadosque outros reagem a ele dizendo: “Oh, ele é um daqueles”, e então o desprezam”. Enfim, se Alinsky possui suas utopias particulares, ao menos ele é realista em relação ao contexto da guerra política, e este é seu diferencial. Crítico à própria atuação dos esquerdistas em seu tempo, ele diz: “A falha de muitos de nossos jovens ativistas em entender a arte da comunicação tem sido desastrosa”. Em resumo, há também uma comparação da inutilidade de se pisar sobre a bandeira americana, e ele sugere que para ampliar a comunicação com a platéia deve-se saudar a bandeira, e, em cima dela, proclamar seus valores, mesmo que diferentes do inimigo. Caso um radical de fato entenda que usar cabelos longos “cria barreiras psicológica para comunicação e organização, ele deve cortar seu cabelo”. Caso se organize uma manifestação em uma comunidade judaica ortodoxa, “não se deve andar por lá comendo um sanduíche de presunto, a não ser que o objetivo seja ser rejeitado e arrumar um pretexto para desistir da luta”. Outro diferencial do material é a defesa do uso do humor. Para Alinsky, “em outro nível de comunicação, humor é essencial, pois através do humor muito é aceito ao contrário do que ocorreria se o mesmo material fosse apresentado seriamente. Esta é uma geração triste e solitária. Ela ri muito pouco, e isto também é trágico”. Embora crente em seus ideais, Alinsky diz: “Como organizador, eu parto de onde o mundo é, e como ele é, não como eu gostaria que fosse. Que nós aceitemos o mundo como ele é não enfraquece, de qualquer forma, nosso desejo de mudá-lo para o que nós acreditamos que deve ser”. No que um conservador de direita poderia contra-argumentar que o mundo já está “mudado” de acordo com as perspectivas esquerdistas, incluindo as de Alinsky (exemplo: estado inchado), portanto um mundo com redução do tamanho excessivo do estado, também é uma perspectiva de mudança. Logo, lemas como “hope for the change”, declarados por Obama, serviriam também para alguém da direita. No Brasil, há um debate sobre a redução da maioridade penal. Esta é uma proposta da direita, e uma “mudança” na impunidade, e um ataque ao sistema de impunidade criado pela esquerda. Atenção: o discurso de “mudança” não pode ser esquerdista apenas. E sendo que há mudança, ela deve ocorrer, para Alinsky “trabalhando-se dentro do sistema”. Ele cita uma outra razão para se trabalhar a partir de dentro do sistema, citando Dostoevsky, quando este reconheceu que “dar um novo passo é aquele que as pessoas mais temem”. Assim, “qualquer mudança revolucionária deve ser precedida por uma atitude passiva, afirmativa, distante de desafios a respeito da mudança pela opinião pública”. Alinsky diz que “eles devem se sentir tão frustrados, tão derrotados, tão perdidos, tão sem futuro no sistema vigente que estejam dispostos a abandonar o passado e apostar no futuro”. Esta aceitação seria “a reforma essencial a qualquer revolução”. Para convencer a opinião pública em massa (incluindo a classe média e os pobres) a aceitar seus ideais é preciso “atuar de dentro do sistema”. Uma metáfora sobre a paciência é uma das partes mais interessantes do prólogo: Nossos jovens são impacientes com as preliminares essenciais às ações que gerem resultado. A organização efetiva é frustrada pelo desejo para mudança instantânea e dramática, ou como eu citei anteriormente pela demanda pela revelação ao invés da revolução. Este é o tipo de coisa que vemos nas peças de teatro; o primeiro ato introduz os personagens e o argumento, no segundo ato o argumento e os personagens são desenvolvidos ao passo que a peça vai obtendo a atenção da platéia. No ato final o bem e o mal tem sua confrontação dramática e a resolução. A geração atual quer ir direto ao terceiro ato, pulando os dois primeiros, e em tais casos não há sequer uma peça, nada além de confrontação pela causa da confrontação – uma luz é ofuscada, com o consequente retorno às trevas. Para se construir uma organização poderosa gasta-se tempo. É tedioso, mas esta é a maneira pela qual o jogo é jogado – isso se você quiser jogar e não apenas gritar “Matem o império”. Para ele, sair citando frases de “Mao, Castro e Guevara” não vai funcionar em uma cultura americana na qual estes seriam quase alienígenas. Aliás, ele diz que nos países comunistas há menos liberdade do que na América, e isso deveria ser aproveitado pelos radicais. Um ponto de discordância minha é quando Alinsky diz: “Aqueles que, por quaisquer combinação de razões, encorajam o oposto da reforma, se tornam aliados irrestíveis da direita política”. O problema é que aqui, como já mostrei, ele toma “mudança” como apenas algo inerente à esquerda. E esta terminologia é uma que precisamos eliminar do nosso vocabulário. Se conseguimos reduzir impostos, isso é uma “mudança” da direita, mas se os impostos são aumentados, isso é uma “mudança” da esquerda. Se há aumentode punição para criminosos, isso é uma “mudança” da direita, mas se há retirada de punição aos criminosos, isso á uma “mudança” da esquerda. Isto defende satisfatoriamente minha tese de que, embora não sejamos “revolucionários utópicos”, ou “radicais”, a luta pelo processo de mudança é uma constante em pessoas tanto da direita como da esquerda, especialmente aqueles que estejam em oposição ao sistema. Somente com a retirada destes truques semânticos (“mudança é da esquerda”, “reacionários são da direita”) de nossa mente, conseguiremos assimilar melhor este conteúdo. O Propósito O texto anterior desta série é “Um Raio X das regras para radicais de Saul Alinsky – Introdução”. Como sempre convém avisar nesta série, assumo um tom não crítico (ao invés da maioria dos meus textos, em que refuto a esquerda), pois meu objetivo aqui é capturar a essência do pensamento de Saul Alinsky como um todo. Enfim, entender como pensava o arquiteto das estratégias democratas para conquista do poder. A primeira coisa que devemos ser obrigados a reconhecer é que Alinsky foi um esquerdista versátil. Um exemplo disso está em sua capacidade de ao mesmo tempo citar ensinamentos cristãos como anti-cristãos. No início deste capítulo ele cita Jó 7:1 (“A vida do homem sobre a terra é uma guerra”). Mas logo anteriormente ele dizia que o primeiro radical, de todeas as lendas, mitologia e história era Lúcifer, “o primeiro a se rebelar contra o status quo, fazendo-o tão efetivamente que ao menos conquistou seu próprio reinado”. Outra característica do autor, que ele demonstra logo no início, é a capacidade de “não associação” a uma corrente específica de pensamento, mesmo que ele a defenda por completo. Exemplo: ele defende que os seres humanos se dividem em três classes: Os que tem, o que não tem, os que tem um pouco e querem mais. Ele faz isso ao mesmo tempo em que diz não ter nenhum tipo de associação com o marxismo. Mas essa terminologia, no entanto, é simplesmente a releitura do marxismo, na qual existiriam os Burgueses (Os que tem), os Proletários (Os que não tem), e os Pequeno-Burgueses (Os que tem um pouco e querem mais). Se adaptarmos utilizar o paradigma de Alinsky para a direita (embora não com suas motivações, obviamente), basta adicionarmos uma nova categoria, Os que tem tudo, e mudarmos algumas das demais categorias, convertendo “Os que tem” para “Os que tem muito”, e “Os que tem pouco e querem mais” para “Os que tem pouco”. Isso por que todos “querem mais”, independente do quanto tenham. Assim, ficaríamos com as seguintes categorias: 1. Os que tem tudo: Os burocratas donos de um estado inchado, seja ele de bem estar social ou uma ditadura do proletariado. 2. Os que tem muito: Os mais bem sucedidos homens de negócio. 3. Os que tem pouco: Os que não alcançaram o estágio 2. 4. Os que não tem nada: Esses seriam os moradores de rua. 5. Alinsky afirma o seguinte: “O Príncipe foi escrito por Maquiavel para os que tem muito manterem o poder. Regras para radicais é escrito para aqueles que não tem nada tomarem tirá-lo dos que tem muito.”. Portanto, uma reconstrução de Regras para Radicais conforme nós, da direita, possamos percebê-lo adequadamente deveria ser a seguinte: “Regras para radicais é escrito para dar o poder aos que tem tudo, que são os burocratas, através de um discurso em que ideólogos simulam que estão do lado dos que não tem nada.” Minha adição: “Esta refutação é escrita para atrapalhar os planos de quem tem tudo.” Um ponto interessante é quando Alinsky diz que quer dar aos seus leitores uma chance de “viver por valores que dão significado à vida”. É por isso que esquerdistas tem conseguido capitalizar bastante com um discurso de que “lutam pelos oprimidos”. Uma análise deste discurso mostra que a direita somente pode reverter o quadro demonstrando que ao mesmo tempo em que os esquerdistas na verdade não lutam pelos oprimidos (é possível demonstrar que a direita pode fazer mais pelos oprimidos do que a esquerda), quem é de direita pode ter como sentido da vida lutar contra a tirania e a favor da liberdade individual, a qual seria eliminada com o estabelecimento do totalitarismo de esquerda. A regra é clara: sem um sentido claro para a luta, não vale a pena sequer começar, pois não haverá motivação para ações que causem revoluções. Este é outro ponto em que preciso fazer um esclarecimento antes de prosseguir. O termo “revolução”, no contexto dos esquerdistas é a busca de um paraíso, ao passo que a direita deve utilizar o termo de uma maneira diferente. Um país que aumenta seus impostos de 10% para 30% está fazendo uma revolução de esquerda, pois o estado está sendo inchado. Mas um programa seríssimo de austeridade, que reduza os impostos a níveis baixos, também é uma revolução. O movimento original Tea Party, ocorrido em 16 de dezembro de 1773 em Boston, no qual colonos atiraram várias cargas de chá ao mar, eram um protesto revolucionário contra aumento de impostos. Diante disso, pode-se utilizar o material de Alinsky (com as devidas adaptações, especialmente quanto ao capítulo 2, cuja análise será publicada nos próximos dias) para qualquer causa revolucionária, seja ela utópica ou não. Os esquerdistas gostam de dourar a pílula com utopias, mas quem é da direita não. Alinsky apresenta o seu material da seguinte forma: “Neste livro eu proponho certas observações gerais, proposições, e conceitos do ciclo de ação e reação nas revoluções.” As técnicas aqui são utilizadas para ações revolucionárias. linsky não raro entra em contradição, não quando apresenta suas técnicas, mas sim quando define a si próprio. Por exemplo, ele diz que “detesta e teme o dogma”. Entretanto, diz que o lema dos pais fundadores (“Pelo bem estar social”, o qual é um dogma) é um defendido por ele. Ele reconhece, páginas a frente, que sua crença “no ser humano” pode ser um dogma, o qual entraria em contradição com sua rejeição aos dogmas. Em relação a isso, declama: “Tudo bem, o ser humano é contraditório em essência”. O que nos leva a seguinte constatação: no jogo político, dogma é algo que o outro tem. Sendo o que o outro tem um dogma, isso significa que a posição do outro é condenável por não ter sido questionada o suficiente. O inverso deve ser aplicado às próprias crenças, que não serão afirmadas como dogmas, mas sim como idéias passíveis de correção contínua. Não faz diferença se eles são dogmas imutáveis ou não, o que importa é como elas são transmitidas. Assim, sendo que suas idéias são declaradas como “passíveis de mudança”, o público o perceberá como mais tolerante e menos inflexível. Por isso, não se deve declarar nenhuma crença particular como imutável, mas suscetível a mudança. Esta é uma das primeiras lições ensinadas por Alinsky: “Dogma é algo que pertence ao seu oponente, jamais a você”. O lema central de Alinsky é o pragmatismo, e para ele as ações devem ser focadas em resultados. Ele afirma: “Eu espero que estas páginas contribuam para a educação dos radicais de hoje, e para a conversão de paixões quentes, emocionais e impulsivas atuais, que são impotentes e frustrantes, em ações que sejam calculadas, focadas e efetivas”. Ele cita o caso de centenas de advogados que foram protestar contra a prisão de quatro deles pelo juiz Hoffman. Ao redor do fórum se reuniram vários militantes, um grupo de estudantes radicais e Panteras Negras junto a uma multidão de advogados. Eis que surge o juiz Campbell, avisando que se a baderna não fosse interrompida, prisões começariam a ocorrer. Um dos manifestastantes gritou “Foda-se, Campbell”. Após um silêncio tenso, os manifestantes abandonaram o local. Vejam como Alinsky avalia o ocorrido, relatado por Jason Epstein em “The Great Conspiracy Trial”, de 1970: Os advogados militantes jogaram por terra uma maravilhosa oportunidade de criar uma questão em nível nacional. Ali parecia haver duas escolhas, ambas capazes de criar pressão sobre o juiz e manter a questão sob discussão: um dos advogadores poderia ter caminhado junto ao juiz Campbell, após a voz solitária ter gritado “Foda-se, Campbell”, e afirmado que os advogados não davam apoio à obscenidades pessoais, mas mesmo assim eles não iriam abandonar o local; ou então que todos os advogados juntos começassem a gritar “Foda-se, Campbell”. Eles não fizeram nenhum dos dois; ao invés disso, deixaram a iniciativa passar deles para o juiz, e, em consequencia, não conseguiram nada. Ele diz que os radicais devem ser “resilientes, adaptáveis a circunstâncias políticas móveis, e sensíveis o suficiente ao processo de ação e reação para evitar serem capturados por suas próprias táticas e forçados a caminhar por uma estrada que não escolheram”. Em resumo: “os radicais devem ter um controle sobre o fluxo de eventos”. Em nome disso, Alinsky defende uma “ciência da revolução”. Preparando o seu leitor, ele avisa que “todas as sociedades desencorajam e penalizam idéias e escritos que ameaçam o status quo vigente”. Deve-se notar que “status quo vigente” pode ser descrito também como o status quo esquerdista, em todo Ocidente que hoje paga impostos absurdos, tolera a criminalidade e permite que alguns esquerdistas ainda consigam implantar ditaduras, como ocorre na Argentina e na Venezuela. Por isso, desafio ao status quo, como já afirmado antes, não é prioridade de esquerdistas, na verdade é o oposto: hoje em dia o status quo é esquerdista, portanto as regras de Alinsky hoje devem ser mais úteis a quem está na direita do que na esquerda. Alisnky entende que, por causa da Guerra Fria, a luta entre esquerda X direita ficou conhecida como uma luta dos conservadores contra o marxismo. Segundo ele, isso criou a noção de que “a revolução dos que não tem induz um medo paranóico” na população, mas o mesmo pode ser dito da noção de que “a revolução de direititas, como os do Tea Party atual, geram um medo paranóico” na esquerda. Diz ele: “Nós aceitamos uma revolução se é garantido que esteja do nosso lado, e mesmo quando percebemos que a revolução é inevitável”. Em tese, portanto, “revoluções são coisas a serem evitáveis” pela maioria. Em relação ao marxismo, ele afirma: “nós [os esquerdistas em geral], permitimos que uma situação suicida se desdobrasse quando o comunismo e revolução se tornaram um só”. Por isso, o autor defende que todas suas páginas são “comprometidas a dividir este átomo político, separando esta identificação exclusiva do comunismo com revolução”. Diante disso, afirma: “Esta é a razão principal pela qual eu forneço um manual revolucionário que não está sedimentado nos moldes comunistas ou capitalistas, mas como um manual para os que não tem do mundo, independente da cor de sua pele, ou sua preferência política. Meu objetivo aqui é sugerir como se organizar para obter poder: como obtê-lo e como utilizá-lo”. Em uma adaptação, devemos também seguir Alinsky no que diz respeito a algumas separações, evitando que o termo “revolução” fique apenas associado aos esquerdistas. Outro ponto, seguindo ainda a idéia de Alinsky, deveria ser “separar o anti-esquerdismo do conservadorismo do tipo cristão”, o que significa que conservadores cristãos e conservadores ateus devem lutar pelo mesmo fim de atacar o esquerdismo, mas um não pode ser identificado como o outro. Se a associação com o marxismo, torna um esquerdista facilmente atacável, a associação direta com o cristianismo, faz o mesmo em relação a um conservador de direita. Note que isto não é ser contra o cristianismo, mas simplesmente evitar a associação, mostrando que o conservadorismo de direita pode existir com uma identidade particular, que transcende o cristianismo. Eis uma parte importante: A revolução sempre avançou como uma lança ideológica, assim como o status quo inscreveu sua ideologia sobre o estudo. Tudo na vida é partidário. Não há objetividade desapaixonada. A ideologia revolucionária não se limita a uma fórmula específica limitada. É uma série de princípios gerais, enraizados na declaração feita por Lincoln em 19 de maio de 1856: “Não vos enganeis. Revoluções não voltam atrás.”. Mesmo que alguém da direita se incomode com Alinsky, não dá para deixar de reconhecer o realismo desta declaração. Sim, é fato que não existe objetividade desapaixonada, e que tudo na vida é partidário. Um exemplo pode ser a questão da causa gay. Muitos pais conservadores de direita se incomodam com o fato dos gayzistas tentarem impor sua bandeira aos seus filhos, impondo o casamento gay como algo normativo. Qualquer questão da vida humana é politizável, portanto neutralidade não existe. Sendo que revoluções podem ser feitas por ambos os lados (se o status quo é esquerdista, como atualmente, ser da direita é mais revolucionário do que ser de esquerda hoje em dia, ou seja, o jogo virou), o conhecimento dos princípios gerais de revoluções devem pertencer a ambos os lados da contenda. A ideologia da mudança Nessa seção, Alinsky continua ao mesmo tempo em que se declara absolutamente não-dogmático, afirmando que possui uma única convicção, a de que “as pessoas, se tiverem poder para agir, a longo prazo irão, na maior parte do tempo, tomar as decisões corretas”. Essa afirmação significa que alguém que diz lutar do lado do povo, crê que a decisão do povo é soberana, o que deve ficar como um puxão de orelha para muitos da direita. Ao renegar “a soberania do povo”, estão, ao mesmo tempo, dizendo que a opinião do povo não importa, e, então, saindo do jogo político. Ao contrário, Alinsky diz que “quando se acredita no povo, o radical assume a função de organizá-los de forma que eles tenham poder e oportunidade para melhor reagir a cada crise futura imprevisível assim como caminham em sua eterna busca por valores como igualdade, justiça, liberdade, paz, e todos aqueles direitos e valores propostos pelas tradições político-democrática e judaico-cristãs”. Ele diz que a “democracia não é um fim, mas um meio para se alcançar estes valores”. Conclui ele: “esse é o meu credo, pelo qual eu vivo e, se necessário, morrerei por ele”. Eu seu pragmatismo, Alinsky diz algo bastante contundente (seja para alguém da direita ou da esquerda), ao dizer que o processo de mudança em política passaa por “reconhecer o mundo como ele é”. Citando Maquiavel, ele diz que deve-se observar o mundo da mesma maneira que todos os realistas políticos, nos termos do que “os homens fazem, e não do que deveriam fazer”. Alinsky diz que devemos nos livrar da rede de ilusões que temos sobre a vida. Segundo ele, “a maioria de nós visualizamos o mundo não como ele é, mas como gostaríamos que fosse”. Somente em programas da televisão, “onde o bem sempre vence”, isso é possível Alinsky é perspicaz ao reconhecer que o mundo é uma “arena de política pelo poder movida principalmente por auto-interesses imediatamente percebidos, onde a moralidade é uma racionalização retórica para justificação de ações relacionadas a auto-interesse”. Sendo assim, “neste mundo, leis são escritas pelo alegado objetivo de ‘bem comum’ e então orquestradas de fato na base da ‘ganância’ comum”. Sobre este mundo, ele ainda afirma que “a irracionalidade se apega ao homem como uma sombra, de modo que coisas certas sejam feitas por razões erradas – depois, arrumam-se razões certas para justificação”. Não dá para negar que em uma abordagem realista do animal humano, Alinsky está correto neste caso. Ainda em sua análise crua, ele diz que este não é “um mundo de anjos, mas de ângulos”, onde “os homens falam de princípios morais, mas atuam em princípios de poder”, um lugar “onde nós sempre somos morais, e nossos inimigos sempre imorais”. Enfim, “um mundo onde ‘reconciliação’ significa que quando um lado obtem o poder e o outro lado aceita a situação, então nós temos reconciliação; um mundo de instituições religiosas que tem, como foco principal apoio e justificação do status quo de forma que hoje em dia a religião organizada está materialmente desfeita e espiritualmente corrupta”. Especificamente sobre a religião, ele afirma: “Nós vivemos em uma ética judaico-cristã que não só acomodou-se a si própria, como também justificou escravidão, guerra e todas outras perversas explorações horríveis que o status quo desejava”. Eis, então, o ponto de partida de Alinsky: Nós vivemos em um mundo onde “o bem” é um valor que depende do quanto nós queremos algo. No mundo como ele é, a solução de cada problema inevitavelmente cria um novo problema. No mundo como ele é, não há felicidade permanente ou tristeza sem fim. Tais coisas pertencem ao mundo da fantasia, o mundo como nós gostaríamos que fosse, o mundo dos contos de fadas das crianças onde “eles viveram felizes para sempre”. No mundo como ele é, temos um fluxo de eventos com picos intermitentes, sendo que a morte é o único ponto terminal. Alguém jamais alcançará o horizonte; mas sempre focará no futuro, sempre acenando à frente; enfim, a busca vital em si própria. Isto é o mundo como ele é. Este é seu ponto de partida. Alinsky segue dizendo que, após o leitor reconhecer o mundo como ele é (ao invés de como gostaríamos que fosse), é possível esmagar falácia por falácia da visão antiga. Como por exemplo, na derrubada da ilusão de que as coisas podem ser vistas separadas de suas contra-partidas. Assim, em sua visão, pode-se notar que “a ameaça de destruição a partir da energia nuclear traz em si própria a oportunidade de paz e prosperidade”, e assim tudo funciona no universo. Segundo ele: “Nestas contradições e suas tensões que constantemente interagem é que a criatividade começa. Assim que começamos a aceitar o conceito das contradições, passa a ser possível visualizar cada problema ou questão em seu sentido como um todo e inter-relacionado.” Assim, “reconhecemos que para cada positivo há um negativo, que não há nada positivo sem o seu negativo concomitante, nem qualquer paraíso político sem seu lado negativo”. A mensagem que ele quer passar é ainda mais profunda, ao constatar que, em qualquer discussão ou análise de movimentos de massa, não se pode afirmar que se “X é feito, Y será resultante”. Uma visão modesta, assumida por Alinsky, é a de que podemos no máximo “esperar entender as probabilidades inerentes a certas ações”. Alinsky também quer precaver seu leitor de que com certeza aquilo que “beneficiará um lado, tende a prejudicar o outro”. Por isso, ele diz que definir os pontos como “positivos” e “negativos”, de forma dogmática, é a marca de um iletrado político. Há uma conseqüência ainda mais profunda deste raciocínio, que é notar que para cada ação revolucionária, há uma ação contra-revolucionária, e que, se aqueles que atuam no processo de mudança aceitarem este fato, “aprenderão a antecipar a inevitável contra-revolução”, e, daí, alterar o padrão histórico de uma revolução seguida por uma contra-revolução, isto é, abandonar um processo de mudança lento, definido por dois passos para a frente e um passo para trás. Distinções de classe: a trindade Não podemos esquecer as três classes de Alinsky para seu mapeamento de classes no conflito político, ao passo que, em uma visão de direita, aqui proposta, existem quatro. A argumentação dele para arregimentar a classe dos que não tem nada contra os que tem muito é baseada em várias dicotomias que, com certeza, foram extremamente úteis para o convencimento dos adeptos. Segundo ele, os que tem muito querem se opor à projetos de mudança, pois viveriam rodeados de poder, dinheiro, segurança e luxo. Ele constata o óbvio ao dizer que estes estão em menor número, enquanto aqueles que tem muito são os de maior número. Eis então, as dicotomias: “Os que tem muito querem reter, e os que não tem querem obter. Termopoliticamente, estes são uma massa de resignação e fatalismo, mas dentro deles há uma crescente quantidade de esperança que pode ser ativada pela construção de meios para obtenção de poder”. Alinsky lança a seguinte constatação: “Uma vez que a febre se inicia a chama irá se seguir. Eles não tem para onde ir, a não ser para cima”. Alinsky nota que os que não tem odeiam o que ele chama de “opulência arrogante” dos que tem, e isso significa tudo o que representaria, em sua visão, o status quo da burguesia. Assim, as leis, políticas e igrejas são representações desta burguesia. Para ele, termos como “justiça, moralidade, lei e ordem” são apenas palavras para a justificação do status quo. Em outra mensagem com ênfase no “levantamento da moral da tropa”, Alinsky diz que o poder dos que não tem reside apenas em seu número. Mais uma dicotomia com efeito potencial efeito psicológico é a seguinte: “Os que tem vivem encarando a questão ‘quando nós dormimos?’, enquanto os que não tem pensam o tempo todo em ‘quando nós comemos?”. Ele diz que entre os que tem e os que não tem, estão os que tem um pouco e querem mais, o que é exatamente igual o termo pequeno-burguês do dialeto marxista. Estes seriam a classe média, que em sua visão são seres de personalidade dividida. Por exemplo, estes sempre buscariam a maneira segura de levar a vida, “onde eles podem lucrar com a mudança mas ainda assim sem riscos de perder o pouco que tem”. Por isso, Alinsky diz que os pequeno-burgueses são “enraizados na inércia”, entretanto, mesmo vivendo com interesses conflitantes e contradições, são uma fonte de criatividade. Daí ele constata que estas contradições, na classe média, geraram grandes líderes de mudança na história recente. Alinsky afirma que esta classe expressa comprometimento com mudanças sociais para “ideais de justiça, igualdade e oportunidade”, e daí “se abstém da luta e desencorajam todas as ações efetivas para mudança”. Ele reconhece a classe média pelo seguinte lema: “Eu concordo com seus fins, mas discordo de seus meios”. Chegando até a citar o conservador de direita Edmund Burke, Alinsky diz que a pequena burguesia é composta daqueles referidos pela famosa frase do autor: “A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada”. Voltando aos que tem muito, Alinsky se ilude ao ilustrá-lo como aqueles que vivem em um estado no qual estão “anestesiados”, portanto, podem cometer erros na proteção de seu status quo, menosprezando o poder dos que não tem. Daí, para motivar aqueles que ele garante representar, afirma que “a grande lei da mudança prepara o anestesiamento da vítima antes da cirurgia social ocorrer”. Seja lá como for, independente do mapeamento das classes de Alinsky ser contestável, a proposta dele é reta: “são páginas para cooperar com a grande lei da mudança”. Logicamente, ele também entende que sem palavras de motivação, nada funcionaria, portanto sua ação tem que ser baseada no otimismo, de forma a contagiar os outros. Assim, o ato de se imaginar um futuro belo, não significa que ele vai ser conquistado, mas sim que esta esperança dará uma motivação para a mudança. Exatamente por isso ele já alerta seu leitor: “Às vezes nós desanimamos, mas isso não significa que não estejamos fazendo progressos”. Esta é a mensagem que ele quer transmitir: “A busca da felicidade não tem fim, e a felicidade está nessa busca”. Alinsky doura todo e qualquer escrito seu constatando que todas as revoluções são “geradas por valores espirituais e considerações sobre justiça, igualdade, paz e fraternidade”. Daí, ele conclui que a “maior revolução a ser ganha no futuro imediato é o desmantelamento da ilusão do homem de que o seu bem estar pode existir separado de todos os outros”. Feito isso, o ponto de partida dele é baseado em idealizar esta utopia, mesmo que ele tenha afirmado o contrário anteriormente. Ainda mais rancoroso, ele diz que o “desapego ao bem estar dos outros é imoral de acordo com os preceitos da civilização judaico-cristã, mas ainda pior, sendo uma estupidez digna dos animais mais baixos”. Tentando racionalizar seus idéias, ele diz que a constatação de que cada um deve ser “o protetor de seu irmão” não deve surgir por causa da “boa natureza” humana, mas por auto-intereresse, pois: “Se ele não divide o seu pão, pode ter medo de dormir, já que seu vizinho irá matá-lo. Para alimentar e dormir em segurança o homem deve fazer a coisa certa, mesmo que pelas razões erradas, e, na prática se tornar o protetor de seu irmão”. Por fim, Alinsky conclui seu capítulo sobre o propósito de sua iniciativa afirmando que esta é sua “base moral”, sempre profetizada em tom ameaçador, copiado do estilo marxista: “O homem precisa aprender que ou ele divide parte de seus bens pessoais ou perderá tudo; e que ele precisa respeitar e aprender a viver com outras ideologias políticas se ele quiser que a civilização avande”. Alguns pensariam: por que Alinsky usa este tom? Eis a resposta, com a qual ele conclui seu primeiro capítulo: “Este é o tipo de argumento que a experiência atual do homem o permite compreender e aceitar. Esta é a estrada vil para a moralidade. Não há outra”. Dos meios e fins O capítulo 2 (ver a parte anterior, “Pt1. – O Propósito”, de “Um Raio X das regras para radicais de Saul Alinsky”) de Regras para Radicais é o mais complicado, em termos morais, para ser assimilado por quem é de direita, pois nele Saul Alinsky simplesmente justifica a “moral esquerdista”. Esta pode ser resumida em “não há regras, desde que venham os resultados”. Para isso, ele delineou as seguintes regras morais relacionadas especificamente a meios e fins: 1. A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão; 2. O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento; 3. Na guerra, o fim justifica quase quaisquer meios; 4. O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico; 5. A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa; 6. Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios; 7. Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas; 8. A moralidade dos meios dependem do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente; 9. Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos; 10. Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais; 11. Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, “Do bem estar comum”, “Busca da felicidade”, ou “Pão e paz”. O que se nota é que quando Olavo de Carvalho denuncia a esquerda por seu raciocínio de que quaisquer meios justificam os fins, em uma extensão do maquiavelismo adotado por Gramsci , ele não está exagerando. Sim, é verdade que um dos maiores motivos de preocupação pela existência de uma hegemonia de esquerda é o fato de que temos no poder pessoas que entendem que tudo está a priori justificado, por causa do futuro maravilhoso prometido. Mas eu entendo que devamos procurar olhar um pouco além e entender um pouco a mente de Alinsky e o que ele quis dizer com algumas de suas regras morais. De onde elas se originam? Quais suas motivações? Por que elas são tão facilmente justificáveis aos que a defendem? Segundo ele, o questionamento sobre meios e fins é equivocado, pois a questão “Os meios justificam os fins” é vazia de sentido. Melhor seria a questão: “Este fim particular justifica este meio particular?” Isto se adaptaria melhor ao mindset do que ele define como um homem de ação, que deveria pensar em termos estratégicos e pragmáticos. Desta forma Ele não tem qualquer outro problema. Ele pensa de acordo com seus meios atuais e as possibilidades dentre várias escolhas de ação. Em relação aos fins, ele os questiona apenas no que diz respeito a eles serem alcançáveis e valerem a pena; em relação aos meios, no que diz respeito a se irão funcionar ou não. Ao dizer que os meios corrompem os fins estamos acreditando na concepção imaculada dos fins e princípios. A arena verdadeira é corrupta e sangrenta. O que podemos entender é que, para o esquerdista, a lógica da inexistência de regras morais é muito fácil de ser assimilada, pois eles entendem que o mundo no qual estão é baseado nestas regras. Assim, para eles os burgueses são os responsáveis por todos os males, mesmo que mintam e simulem uma moralidade que não possuiriam. Por isso, o que ele defende é “faça ao oponente exatamente o que achou que ele faz com você”. Ele cita Goethe quando ele dizia que “consciência é uma virtude dos observadores e não dos agentes de ação”. Uma ação ao mesmo tempo consistente com sua consciência individual e o “bem da humanidade” é um luxo que não caberia aos agentes de mudança. Na dúvida, a escolha deveria ser pelo bem da humanidade, ao invés de sua própria consciência. Esta frase resume bem essa máxima: “Ação serve à salvação de massa e não à salvação pessoal do indivíduo”. Essas racionalizações todas facilitam muito a internalização do conceito de, conforme apontado por Olavo, todas as ações estarem a priori justificadas. Alinsky contra-argumenta vários discursos de pessoas que questionam essa ética maquiavélica. Para ele, “estes estão comprometidos de forma apaixonada com uma objetividade mística onde as paixões são suspeitas”. Ele sentencia: Eles assumem uma situação não-existente onde os homens planejam e definem meios de maneira desapaixonada e racional como se estivessem estudando uma carta de navegação em terra. Nota-se que ele não possui muito respeito para com aqueles que discutem muito questões morais antes de agirem. Para ele, pode-se reconhecer estas pessoas por duas marcas verbais: “Nós concordamos com os fins, mas não com os meios”, ou “Este não é o momento”. Em cima destes mapeamentos, ele avalia que “os moralistas dos meios-e-fins ou omissos nunca conseguem seus fins, sem usar quaisquer meios”. Assim como Marx criticava a “ética burguesa”, Alinsky diz que estes moralistas dos meios-e-fins que são obcecados com a “ética dos meios e fins utilizadas pelos que não tem contra os que tem” deveriam reavaliar qual sua real posição política. Para ele, quem fica muito apegado à ética de meios e fins, está do lado dos burgueses. Seu desprezo por estas pessoa é tamanho que ele chega a compará-los aqueles que poderiam ter usado muito mais meios no início da Segunda Guerra Mundial para barrar os nazistas mas não o fizeram, e, com isso, condenaram os judeus ao Holocausto . Isso o leva a mais uma racionalização que com certeza tem efeito poderoso: “Isto é o cumulo da imoralidade. O menos ético de todos os meios relaciona-se à não-utilização de quaisquer meios” . Racionalizações sobre a ética do vale tudo alinskyana A partir de agora, vejamos em maior detalhe algumas das racionalizações que Alinsky traz aos seus leitores para facilitar a digestão de uma ética na qual tudo é permitido e nada é vetado. Em relação a regra um (“A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão”), ele afirma que quando não estamos diretamente preocupados com uma questão, nossas intenções morais se tornam abundantes. Ele cita Le Rochefoucauld: “todos nós temos força suficiente para suportar as desgraças dos outros”. Para esta regra, Alinsky define uma outra, paralela: “A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com a distância dele em relação à cena do conflito”. Para justificar a regra dois (“O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento”), ele novamente relembra a questão da guerra contra os nazistas. Ele afirma que “os que se opuseram ativamente aos nazistas e se juntaram a Resistência, adotaram os meios do assassinato, terror, destruição de propriedades, bombeamento de túneis e trens, seqüestro e a disposição em sacrificar reféns inocentes para atender ao objetivo de derrotar os nazistas”. Os que se opunham aos conquistadores nazistas avaliavam a Resistência “como um exército secreto de idealistas patrióticos, dedicados, corajosos além das expectativas e dispostos a sacrificar suas vidas de acordo com suas convicções morais”. Para as autoridades da ocupação nazista, entretanto, “estas pessoas eram terroristas fora da lei, assassinos, sabotadores, que acreditavam que o fim justifica os meios, e agiam de forma completamente anti-ética de acordo com as regras místicas da guerra”. A glorificação da Resistência até hoje pelos vitoriosos na guerra provaria este ponto. Alinsky afirma que a história é composta de “julgamentos morais” com base em política. Veja a afirmação abaixo: Nós condenamos o fato de Lenin ter aceito dinheiro dos alemães em 1917 mas fomos discretamente silenciosos enquanto nosso Coronel William B. Thompson no mesmo ano contribuiu com um milhão de dólares para os anti-bolcheviques na Rússia. Como aliados dos soviéticos na Segunda Guerra Mundial, nós louvamos e comemoramos as táticas comunistas de guerrilha quando os russos as usaram contra os nazistas durante a invasão alemã da União Soviética; e nós denunciamos as mesmas táticas quando elas são utilizadas por forças comunistas em diferentes partes do mundo contra nós. Nessa análise, ele conclui que “os meios da oposição, utilizados contra nós, são sempre imorais e nossos meios são sempre éticos e enraizados nos valores éticos mais elevados”. Sobre a terceira regra (“Na guerra, os fins justificam quase quaisquer meios”), ele afirma que os acordos sobre as convenções de Genebra só são respeitados por medo de retaliação dos oponentes, e não por causa dos acordos em si. Ele cita o caso de Churchill quando este foi questionado por sua aliança com os russos na época da Segunda Guerra Mundial e se a achava constrangedora: “De maneira alguma. Eu tenho apenas um objetivo, a destruição de Hitler, e minha vida se torna muito simplificada deste modo. Se Hitler invadisse o inferno eu teria feito ao menos uma referência favorável ao demônio na Câmara dos Comuns”. Alinsky ilustra a quarta regra (“O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico”) trazendo uma citação de John C. Miller a respeito do caso do Massacre de Boston , que reproduzo também a seguir: As atrocidades inglesas, por si só, não foram capazes de convencer a população de que havia ocorrido um crime na noite de 5 de março: havia uma confissão obtida no leito de morte de Patrick Carr, afirmando que os habitantes locais haviam sido os agressores e que os soldados atiraram em legítima defesa. Esta declaração indesejada de um dos mártires que estavam morrendo no odor da santidade com a qual Sam Adams os havia vestido lançou uma onda de alarme nas linhas patriotas. Mas Adams amaldiçoou o testemunho de Carr aos habitantes da Nova Inglaterra denunciando-o como um “papista” irlandês que provavelmente morreu em confissão da Igreja Católica Romana. Após Sam Adams ter demolido publicamente Patrick Carr nem mesmo os Tories ousavam citá-lo para provar que os bostonianos foram responsáveis pelo massacre. Alinsky avalia este relato dizendo que “para os britânicos este foi um exemplo de mentiras e vilezas, pelo uso de táticas imorais e intolerantes, que seriam características dos revolucionários”. Para para os Filhos da Liberdade e os patriotas, a ação de Sam Adams foi uma “estratégia brilhante, digna de um salvador de vidas enviado por Deus”. Ele avalia que hoje em dia nós podemos avaliar as ações de Adams da mesma forma que os ingleses fizeram, mas lembra que hoje em dia não estamos envolvidos em uma revolução contra o império britânico. Por isso, Alinsky defende que os padrões éticos devem ser elásticos para esticarem-se com os tempos. Na defesa da regra cinco (“A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa”), ele cita uma história pessoal na qual um simpatizante, do lado dele, tinha evidências que um dos executivos de uma corporação contra a qual lutavam era gay. Alinsky diz que declinou de usar isso, mas ao mesmo tempo declara: Tão longe, tão nobre; mas, se eu estivesse convencido de que a única maneira pela qual eu poderia vencer fosse usar isso contra ele, então sem quaisquer reservas eu usaria. Qual seria minha alternativa? Afundar-me em indignação “moral” auto-indulgente dizendo: “Eu preferiria perder do que corromper meus princípios?”, e então ir para casa com meu hímem ético intacto? O fato de que 40,000 pobres iriam perder sua guerra contra a falta de esperança e desespero seria trágico demais. Alinsky não dá uma justificativa para a sexta regra (“Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios”), mas em relação a sétima (“Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas”) ele nos relembra que o julgamento da história tem muito mais a ver com o sucesso das ações do que com os meios utilizados par alcançá-los. É por isso que, segundo ele, os pais fundadores são considerados heróis patriotas, e não meramente traidores. Se tivessem fracassado, a história os teria percebido de maneira diferente. Já na oitava regra (“A moralidade dos meios depende do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente”), ele nos relembra que alguns meios considerados altamente imorais possuem um atenuante, em termos de julgamento público, caso tenham sido usados em circunstâncias desesperadas. Ele cita o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, que garantiu a vitória dos aliados. Até hoje existe um questionamento sobre a imoralidade dessa ação, já que o Japão estava prestes a se render. Alinsky diz que se a bomba fosse lançada imediatamente após o ataque a Pearl Harbor (quando a nação temia uma invasão da Costa Pacífica, a frota pacífica estava no fundo do mar e todas as forças americanas na Europa), então “o uso da bomba naquele momento seria alardeado universalmente como uma retribuição justa de fogo, granizo e enxofre”. Mais ainda, seria considerado “um triunfo sobre o mal”. Para ele, quem nega estes fatos (o de que o julgamento sobre o lançamento da bomba seria completamente diferente se os Estados Unidos estivessem em situação desesperadora), são “ou tolos, ou mentirosos, ou ambos”. Quanto a regra nove (“Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos”), Alinsky traz a história de um dos maiores heróis revolucionários, Francis Marlon, da Carolina do Sul. Marlon ficou conhecido por suas táticas de guerrilha que inspiraram muitos dos guerrilheiros modernos. Cornwallis e o Exército Britânico tiveram suas operações e planos completamente desnorteados e desorganizados pelas táticas de Marlon. Furiosos com a efetividade de suas operações, e incapazes de lidar com elas, os britânicos o denunciaram como criminoso, dizendo que ele não atuou no combate “como um homem honrado, ou mesmo um cristão”. Essa denunciação contundente a respeito de sua falta de ética e moralidade ocorreu principalmente pelo uso de suas táticas de guerrilha como um meio de se vencer a Revolução. Para a décima regra (“Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais”), ele diz que no campo de ação, a primeira questão determinante é se os meios (para um fim em particular) estão disponíveis. Para isso, é preciso avaliar as forças presentes e que possam ser utilizadas. Vejamos um pouco mais sobre essa avaliação: Isso envolve passar por uma peneira os múltiplos fatores que se combinam na criação das circunstâncias em um dado período, e um ajustamento às visões da opinião pública e seu clima. Questões a respeito do quanto tempo é necessário ou está disponível devem ser consideradas. Quem, e quantos mais, irão apoiar a ação? A oposição possui poder a ponto de poder suspender ou mudar as leis? A extensão de seu controle do poder de polícia chega ao ponto onde a mudança legal e ordenada é impossível? Se as armas são necessárias, existem armas adequadas disponíveis? A disponibilidade dos meios influencia o quanto você atuará de forma clandestina ou pública, rápida ou vagarosamente; movido por mudanças extensivas ou ajustes limitados; ou mesmo se você irá realizar movimentos. A ausência de quaisquer meios poderá levar alguém ao martírio na esperança de que este fato seja um catalizador, iniciando uma cadeia de reações que culminariam em um movimento de massa. Aqui uma simples declaração ética pode ser usada como um meio para obtenção do poder. Exemplos dessa regra estão naquilo que Alinsky percebe como a essência dos discursos de Lenin após seu retorno do exílio. Um resumo do pensamento de Lenin era: “Eles tem as armas e portanto nós precisamos declarar que lutaremos pela paz e por reformas através das eleições. Quando nós tivermos as armas, então iremos nos impor pela bala”. E foi exatamente isso que ocorreu. O maior exemplo está na visão popular de Gandhi como uma ilustração do mais alto comportamento moral, no que diz respeito aos meios e fins. Para demolir a visão ingênua que muitos tem do apóstolo da não-violência, Alinsky traz registros históricos mostrando que Gandhi fez uma avaliação das forças e fraquezas do exército revolucionário ao seu lado, e registros em sua autobiografia mostram que ele se indignava com a ausência de retaliação em direção aos britânicos. Em resumo, Gandhi fez uma avaliação dos meios disponíveis, e descobriu que não apenas não dispunha de armas, como também não dispunha de pessoas motivadas a lutar. Gandhi disse em 1930: “Espiritualmente, o desarmamento compulsório tirou nossa virilidade, e a presença de um exército de ocupação estrangeiro, utilizado com efeito mortal para nos abalar no espírito de resistência, nos fez pensar que não podemos cuidar de nós mesmos ou estabelecer uma defesa contra agressoras estrangeiros, ou mesmo defender nossas casas e famílias”. Alinsky nota que estas palavras “mais que sugerem que se Gandhi tivesse as armas para a resistência violenta e as pessoas para utilizá-las, este meio não seria rejeitado com tantas reservas como o mundo gosta de pensar”. Só que, quando Nehru encarou uma disputa com o Paquistão sobre Kashmir, não hesitou em usar força bélica. Mas aí os arranjos do poder se alteraram, pois a Índia tinha armas e um exército treinado para utilizá-las. Nehru Gandhi foi um exímio estrategista, pois, quando não tinha os meios à sua disposição, ele fez o que podia com a tentativa de rotular suas ações as mais morais possíveis, e, aí entrou seu discurso de não-violência. Tudo funcionou ainda melhor por que seus oponentes britânicos vinham de uma tradição moral em que pregavam ideais de “liberdade e tolerância”, logo, ele entrou em um território que poderia constrangê-los ao optar pela política de não violência. Obviamente, isso não funcionaria diante de um governo totalitário em sua ideologia como o de Hitler, por exemplo. De forma pragmática, Alinsky conclui a análise da estratégia de Gandhi, dizendo que “de um ponto de vista pragmático, a resistência passiva não era apenas possível, como o meio mais efetivo que podia ser selecionado para abortar o controle britânico sobre a Índia”. Para Alinsky, apelos a “uma lei maior que a lei feita pelos homens” significam apenas manifestações dos poderosos para controlar a massa e manter o status quo. Não só a moral vigente, como as leis, seriam feitas para a manutenção do poder. Quando os que não tem possuem sucesso e se tornam pessoas que tem o poder, “eles estão na posição de tentar manter o que conseguiram e seu padrão de moralidade se modifica com esta mudança de posição no padrão de poder” . O caso de Gandhi, usando a moral da resistência passiva contra os britânicos, mas descarregando forte poder de fogo sobre os paquistaneses, é sintomático. Sam Adams, que lutou como revolucionário, teve que mentir manipulando os valores morais da população, mas, após o sucesso da Revolução americana, demandou a execução dos americanos que participaram da Rebelião de Shay, dizendo que ninguém tinha direito de participar de uma revolução contra os Estados Unidos. É nesse ponto, com esse tipo de constatação realista e crua, que Alisnky começa a se distanciar de Maquiavel. Veja: Racionalização moral é indispensável em todos os instantes da ação no que diz respeito a justificar a seleção ou o uso dos meios e fins. A cegueira de Maquiavel para a necessidade de uma roupagem moral para todas as ações e motivos – ele dizia que a política não tinha relação com a moral – foi sua maior fraqueza. Ele nos relembra que todos os grandes líderes (Churchill, Gandhi, Lincoln e Jefferson) sempre invocaram “princípios morais” para cobrir a nudez de ações de auto-interesse com roupas como “liberdade”, “igualdade para a humanidade”, “uma lei acima das leis dos homens”, e daí por diante. Ele faz um adendo especial a essa regra, que explica muita coisa: “Todas ações efetivas requerem o passaporte da moralidade”. Por fim, a décima primeira regra (“Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, “Do bem estar comum”, ‘Busca da felicidade’, ou ‘Pão e paz’”), estende os padrões da regra anterior. Ele cita Whitman, que teria dito: “O objetivo uma vez nomeado, não pode ser revogado”. Estas onze regras morais definidas por Alinsky devem ser o começo do jogo interno de todo aquele que for participar de ações de mudança, caso estas ações sejam de esquerda. Todos os valores mais “elevados” devem dar adorno a qualquer ação. Ele diz que “a democracia não é um fim; mas sim o melhor meio político disponível na conquista destes valores”. Ele retorna, ao final do capítulo, à sua asserção com que o abriu. A verdadeira questão, para Alinsky, jamais deveria ser “O fim justifica os meios?”, mas sim “Este fim particular justifica esse meio particular?”. Isso tudo torna toda a questão da ética de meios e fins elástica o suficiente para qualquer coisa que um esquerdista queira fazer. Um calcanhar de Aquiles para a direita? Acho muito difícil aplicar as onze regras morais para qualquer grupo político de direita, especialmente pelo fato de que a moral judaico-cristã, que define a busca da verdade, pode criar uma série de dissonâncias cognitivas nos adeptos. Em minha experiência neste blog, sempre que eu divulguei uma informação inconsistente, leitores conservadores me pediram para corrigir. (Se fosse um blog de esquerda, e existissem informações falsas contra os oponentes, me pediriam para prosseguir nas mentiras) Logo, uma moral que diz “faça o que quiser” simplesmente não vai servir, e colocará os conservadores em um conflito interno tão grande que não conseguirão aproveitar nada. A questão que resta é: adotando o mindset conservador de direita, ainda é possível assimilar algo a respeito de todo o trabalho que Alinsky fez em sua elaboração destas 11 regras éticas? A resposta é sim! Antes, vamos com cuidado. O que quero dizer é que a base destas regras sobre a ética não pode se sobrepor à uma ética pessoal que o direitista tenha. Entretanto, conteúdo de classe, isto é, um conteúdo antagonístico. A norma moral é tanto mais categórica quanto menos é “obrigatória para todos”. A solidariedade dos operários,· “Não existem, então, preceitos morais elementares elaborados pelo desenvolvimento da humanidade e indispensáveis à vida de qualquer coletividade? Existem, sem dúvida, mas sua eficácia é muito incerta e limitada. As normas “obrigatórias para todos” são tanto menos eficazes quanto mais áspera se torna a luta de classes. A guerra civil, forma culminante da luta de classes, suprime violentamente todos os laços morais entre as classes adversas.” (Trostky) “As normas morais “obrigatórias para todos” adquirem, dentro da realidade, um ·ecletismo arlequinesco, deve reconhecer que a moral é um produto do desenvolvimento social; que ela não tem nada de imutável; que serve aos interesses da sociedade; que esses interesses são contraditórios; que, mais que qualquer outra forma ideológica, a moral tem um caráter de classes.” (Trotsky) · “Invocar em nossos dias as “verdades eternas” da moral significa tentar fazer retroceder o pensamento.” (Trotsky) “Quem não quiser voltar a Moisés, Cristo ou Maomé, nem satisfazer-se com um ·usar vários estratagemas, enganos, procedimentos ilegais, usar o silêncio, a dissimulação da verdade para penetrar nos sindicatos, permanecer neles, desenvolver neles a qualquer custo o embrião comunista.” (Lênin) · “Lênin ensinou, como se sabe, que, para atingir o objetivo almejado, os bolchevistas podem, e às vezes devem, usar qualquer estratagema, como o silêncio e a dissimulação da verdade…” (Lênin). “É necessário saber adaptar-se a tudo, a todos os sacrifícios e até, se necessário for, · “O melhor revolucionário é um jovem desprovido de toda moral” (Lênin) · “Subordinamos nossa ética à tarefa da luta de classes” (Lenin). · “Justo é o que favorece a Revolução e injusto é o que dificulta” (Lênin) · “A moral, é a impotência colocada em ação” (Marx) · “O comunismo, porém, abole as verdades eternas, abole a religião e a moral” (Marx) · trás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.” (Marx) ·conscientizações devem ser feitas para que a sua ética não o torne um ingênuo perante os esquerdistas. Por exemplo, um fator que faz a diferença para os esquerdistas em debate contra os direitistas é que estes tem uma extrema habilidade em mentir. Como se nota nas regras de Alinsky, mentir não é um problema, pois é um meio para se obter um resultado (e, segundo ele, não obter um resultado é mais imoral que não obtê-lo). Mas se um oponente tem o direito de mentir, e você não, isso significa que o jogo está perdido para você? Não, pois é possível converter essa possível fraqueza (no jogo, e não uma fraqueza moral, que fique bem claro) em algo positivo. O uso da mentira deliberada faz a diferença na guerra intelectual para a esquerda. Como vimos em Alinsky, que nada mais faz do que levar às últimas conseqüências aquilo que Marx, Lenin e Trostky já pregaram, se a informação é conveniente à classe, ela é divulgada, e até ampliada. Se não for, maquia-se a informação de forma a favorecer à classe. A mentira passa a ser uma estratégia que definirá os grandes representantes da ideologia. Os maiores mentirosos serão os líderes. Segue uma listinha básica: “A lei, a moral, a religião são preconceitos burgueses, a internas da luta.” (Trotsky ) É aí que o pensador maquiavélico poderia objetar: de que forma combater um mentiroso senão mentindo ainda mais que ele? Poderia até ser, se não fosse o fato de que esse fator (o uso da mentira de forma deliberada) conspira contra a moral absoluta na qual muitos conservadores de direita acreditam. Se eu chegar para um conservador de direita e dizer ”Vamos armar uma mentira com esses dados e capitalizar?”, os leitores fugiriam. Logo, esse fator existe e é algo que conspiraria, a princípio, a favor dos esquerdistas. Eles tem uma ferramenta em mãos que podem usar à vontade, e nós, da direita, temos freios morais que nos impedem de usá-la. Sendo assim, na perspectiva maquiavélica, perdemos o jogo? É aí que não, e é aí que o jogo deve ser revertido a nosso favor, e justamente por um princípio básico: quem mente mais, tem mais sujeiras a serem descobertas. É o mesmo princípio que explica que a pessoa honesta tem muito menos a temer que o desonesto. Essa é uma das motivações (mas não a única) para o desenvolvimento do meu framework de ceticismo político, de forma que, a partir do momento em que um esquerdista abrir a boca, começa uma investigação. A partir do momento em que se inicia um debate com um esquerdista, deve-se estar preparado para que ele minta o quanto conseguir (pois, de acordo com a lógica de Alinsky, este é o seu meio disponível), e, caso estas mentiras surjam, desmascare todas as mentiras, sem deixar de expor claramente à platéia que o oponente se trata de um mentiroso. Sendo a mentira a principal iniciativa dos esquerdistas, mas não dos direitistas , a única contra-medida aceitável de um direitista deve ao mesmo tempo estar alinhada com os princípios desse direitista e também neutralizar a ação da esquerda. Uma mentira só pode ser neutralizada com uma refutação, e a conseqüente exposição deste mentiroso. Senão, de que forma descobrimos os picaretas dentro das organizações senão através da função de Auditoria? E a função da Auditoria é feita dentro de parâmetros totalmente alinhados com a Direção da Organização, e ela é basicamente honesta. Uma das principais características de um bom auditor é a honestidade. Por isso, da mesma forma, não vamos nos rebaixar ao nível do oponente e usar a ferramenta de mentira delib·M as isso significa apenas que a moral idealista é contra-revolucionária, isto é, encontra-se a serviço dos exploradores.” (Trotsky) “O juízo moral está condicionado, como o juízo político, pelas necessidades ·como a violência e o homicídio.” (Trotsky) “Do ponto de vista das “verdades eternas” a revolução é, naturalmente, “imoral”. ·especialmente nas greves ou por detrás das barricadas, é infinitamente mais “categórica” que a solidariedade humana em geral.” (Trostsky) “O fim (a democracia ou o socialismo) justifica, em certas circunstâncias, meios erada que eles usam. A sugestão é, ao contrário, aumentar o foco no ceticismo e na auditoria das alegações deles. E, para isso, a atitude honesta deve ser um valor que não pode ser negado de forma alguma. A substituição da tática da mentira praticada pelos esquerdistas pelo uso da refutação constante e ridicularização do mentiroso do outro lado é um exemplo de que, com uma adaptação aqui e ali, podemos aprender bastante com as regras de Saul Alinsky. Aliás, podemos, mais do que vê-las como regras, assumi-las como constatações de como o ser humano é, e então aumentar ainda mais o grau de preparação de conservadores de direita para a guerra política. Por exemplo, se há uma regra que define o uso de metas associadas a valores “elevados” por esquerdistas, mesmo que isso esconda iniciativas torpes, somente a desmoralização pública desta falsa rotulagem poderá neutralizar a iniciativa esquerdista. E, se Alinsky diz que a rotulagem pode ser mentirosa no caso do esquerdista, faça então a rotulagem correta, divulgue isso ao público e deixe claro que o esquerdista mentiu na rotulagem. A única coisa que eu poderia definir como intolerável, a partir desse conhecimento que você tem agora, é adotar uma postura de ingenuidade em relação até onde os esquerdistas podem ir. Independentemente de eu colocar aqui uma recomendação de restrição na aplicação nas regras de Alinsky (se para ele vale tudo, eu defendo que não se chegue a este ponto se você for de direita), não deixe que isso se transforme em ingenuidade. Ao contrário, transforme aquilo que poderia ser convertido em ingenuidade a seu favor, para aumentar o aspecto moral de suas refutações às mentiras do oponente. Dos meios e fins O capítulo 2 (ver a parte anterior, “Pt1. – O Propósito”, de “Um Raio X das regras para radicais de Saul Alinsky”) de Regras para Radicais é o mais complicado, em termos morais, para ser assimilado por quem é de direita, pois nele Saul Alinsky simplesmente justifica a “moral esquerdista”. Esta pode ser resumida em “não há regras, desde que venham os resultados”. Para isso, ele delineou as seguintes regras morais relacionadas especificamente a meios e fins: 1. A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão; 2. O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento; 3. Na guerra, o fim justifica quase quaisquer meios; 4. O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico; 5. A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa; 6. Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios; 7. Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas; 8. A moralidade dos meios dependem do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente; 9. Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos; 10. Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais; 11. Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, “Do bem estar comum”, “Busca da felicidade”, ou “Pão e paz”. O que se nota é que quando Olavo de Carvalho denuncia a esquerda por seu raciocínio de que quaisquer meios justificam os fins, em uma extensão do maquiavelismo adotado por Gramsci , ele não está exagerando. Sim, é verdade que um dos maiores motivos de preocupação pela existência de uma hegemonia de esquerda é o fato de que temos no poder pessoas que entendem que tudo está a priori justificado, por causa do futuro maravilhoso prometido . Mas eu entendo que devamos procurar olhar um pouco além e entender um pouco a mente de Alinsky e o que ele quis dizer com algumas de suas regras morais. De onde elas se originam? Quais suas motivações? Por que elas são tão facilmente justificáveis aos que a defendem? Segundo ele, o questionamento sobre meios e fins é equivocado, pois a questão “Os meios justificam os fins” é vazia de sentido. Melhor seria a questão: “Este fim particular justifica este meio particular?” Isto se adaptaria melhor ao mindset do que ele define como um homem de ação, que deveria pensar em termos estratégicos e pragmáticos. Desta forma Ele não tem qualquer outro problema. Ele pensa de acordo com seus meios atuais e as possibilidades dentre várias escolhas de ação. Em relação aos fins, ele os questiona apenas no que diz respeito a eles serem alcançáveis e valerem a pena; em relação aos meios, no que diz respeito a se irão funcionar ou não. Ao dizer que os meios corrompem os fins estamos acreditando na concepção imaculada dos fins e princípios. A arena verdadeira é corrupta e sangrenta. O que podemos entender é que, para o esquerdista, a lógica da inexistência de regras morais é muito fácil de ser assimilada, pois eles entendem que o mundo no qual estão é baseado nestas regras. Assim, para eles os burgueses são os responsáveis por todos os males, mesmo que mintam e simulem uma moralidade que não possuiriam. Por isso, o que ele defende é “faça ao oponente exatamente o que achou que ele faz com você”. Ele cita Goethe quando ele dizia que “consciência é uma virtude dos observadores e não dos agentes de ação”. Uma ação ao mesmo tempo consistente com sua consciência individual e o “bem da humanidade” é um luxo que não caberia aos agentes de mudança. Na dúvida, a escolha deveria ser pelo bem da humanidade, ao invés de sua própria consciência. Esta frase resume bem essa máxima: “Ação serve à salvação de massa e não à salvação pessoal do indivíduo”. Essas racionalizações todas facilitam muito a internalização do conceito de, conforme apontado por Olavo, todas as ações estarem a priori justificadas. Alinsky contra-argumenta vários discursos de pessoas que questionam essa ética maquiavélica. Para ele, “estes estão comprometidos de forma apaixonada com uma objetividade mística onde as paixões são suspeitas”. Ele sentencia: Eles assumem uma situação não-existente onde os homens planejam e definem meios de maneira desapaixonada e racional como se estivessem estudando uma carta de navegação em terra. Nota-se que ele não possui muito respeito para com aqueles que discutem muito questões morais antes de agirem. Para ele, pode-se reconhecer estas pessoas por duas marcas verbais: “Nós concordamos com os fins, mas não com os meios”, ou “Este não é o momento”. Em cima destes mapeamentos, ele avalia que “os moralistas dos meios-e-fins ou omissos nunca conseguem seus fins, sem usar quaisquer meios”. Assim como Marx criticava a “ética burguesa”, Alinsky diz que estes moralistas dos meios-e-fins que são obcecados com a “ética dos meios e fins utilizadas pelos que não tem contra os que tem” deveriam reavaliar qual sua real posição política. Para ele, quem fica muito apegado à ética de meios e fins, está do lado dos burgueses. Seu desprezo por estas pessoa é tamanho que ele chega a compará-los aqueles que poderiam ter usado muito mais meios no início da Segunda Guerra Mundial para barrar os nazistas mas não o fizeram, e, com isso, condenaram os judeus ao Holocausto . Isso o leva a mais uma racionalização que com certeza tem efeito poderoso: “Isto é o cumulo da imoralidade. O menos ético de todos os meios relaciona-se à não-utilização de quaisquer meios” . Racionalizações sobre a ética do vale tudo alinskyana A partir de agora, vejamos em maior detalhe algumas das racionalizações que Alinsky traz aos seus leitores para facilitar a digestão de uma ética na qual tudo é permitido e nada é vetado. Em relação a regra um (“A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com o seu interesse particular na questão”), ele afirma que quando não estamos diretamente preocupados com uma questão, nossas intenções morais se tornam abundantes. Ele cita Le Rochefoucauld: “todos nós temos força suficiente para suportar as desgraças dos outros”. Para esta regra, Alinsky define uma outra, paralela: “A preocupação de alguém com a ética de meios e fins varia inversamente com a distância dele em relação à cena do conflito”. Para justificar a regra dois (“O julgamento da ética de meios é dependente da posição política daqueles participando do julgamento”), ele novamente relembra a questão da guerra contra os nazistas. Ele afirma que “os que se opuseram ativamente aos nazistas e se juntaram a Resistência, adotaram os meios do assassinato, terror, destruição de propriedades, bombeamento de túneis e trens, sequestro e a disposição em sacrificar reféns inocentes para atender ao objetivo de derrotar os nazistas”. Os que se opunham aos conquistadores nazistas avaliavam a Resistência “como um exército secreto de idealistas patrióticos, dedicados, corajosos além das expectativas e dispostos a sacrificar suas vidas de acordo com suas convicções morais”. Para as autoridades da ocupação nazista, entretanto, “estas pessoas eram terroristas fora da lei, assassinos, sabotadores, que acreditavam que o fim justifica os meios, e agiam de forma completamente anti-ética de acordo com as regras místicas da guerra”. A glorificação da Resistência até hoje pelos vitoriosos na guerra provaria este ponto. Alinsky afirma que a história é composta de “julgamentos morais” com base em política. Veja a afirmação abaixo: Nós condenamos o fato de Lenin ter aceito dinheiro dos alemães em 1917 mas fomos discretamente silenciosos enquanto nosso Coronel William B. Thompson no mesmo ano contribuiu com um milhão de dólares para os anti-bolcheviques na Rússia. Como aliados dos soviéticos na Segunda Guerra Mundial, nós louvamos e comemoramos as táticas comunistas de guerrilha quando os russos as usaram contra os nazistas durante a invasão alemã da União Soviética; e nós denunciamos as mesmas táticas quando elas são utilizadas por forças comunistas em diferentes partes do mundo contra nós. Nessa análise, ele conclui que “os meios da oposição, utilizados contra nós, são sempre imorais e nossos meios são sempre éticos e enraizados nos valores éticos mais elevados”. Sobre a terceira regra (“Na guerra, os fins justificam quase quaisquer meios”), ele afirma que os acordos sobre as convenções de Genebra só são respeitados por medo de retaliação dos oponentes, e não por causa dos acordos em si. Ele cita o caso de Churchill quando este foi questionado por sua aliança com os russos na época da Segunda Guerra Mundial e se a achava constrangedora: “De maneira alguma. Eu tenho apenas um objetivo, a destruição de Hitler, e minha vida se torna muito simplificada deste modo. Se Hitler invadisse o inferno eu teria feito ao menos uma referência favorável ao demônio na Câmara dos Comuns”. Alinsky ilustra a quarta regra (“O julgamento deve ser feito no contexto da época na qual a ação ocorreu e não a partir de qualquer outro ponto de vista cronológico”) trazendo uma citação de John C. Miller a respeito do caso do Massacre de Boston , que reproduzo também a seguir: As atrocidades inglesas, por si só, não foram capazes de convencer a população de que havia ocorrido um crime na noite de 5 de março: havia uma confissão obtida no leito de morte de Patrick Carr, afirmando que os habitantes locais haviam sido os agressores e que os soldados atiraram em legítima defesa. Esta declaração indesejada de um dos mártires que estavam morrendo no odor da santidade com a qual Sam Adams os havia vestido lançou uma onda de alarme nas linhas patriotas. Mas Adams amaldiçoou o testemunho de Carr aos habitantes da Nova Inglaterra denunciando-o como um “papista” irlandês que provavelmente morreu em confissão da Igreja Católica Romana. Após Sam Adams ter demolido publicamente Patrick Carr nem mesmo os Tories ousavam citá-lo para provar que os bostonianos foram responsáveis pelo massacre. Alinsky avalia este relato dizendo que “para os britânicos este foi um exemplo de mentiras e vilezas, pelo uso de táticas imorais e intolerantes, que seriam características dos revolucionários”. Para para os Filhos da Liberdade e os patriotas, a ação de Sam Adams foi uma “estratégia brilhante, digna de um salvador de vidas enviado por Deus”. Ele avalia que hoje em dia nós podemos avaliar as ações de Adams da mesma forma que os ingleses fizeram, mas lembra que hoje em dia não estamos envolvidos em uma revolução contra o império britânico. Por isso, Alinsky defende que os padrões éticos devem ser elásticos para esticarem-se com os tempos. Na defesa da regra cinco (“A preocupação com a ética aumenta com o número de meios disponíveis e vice versa”), ele cita uma história pessoal na qual um simpatizante, do lado dele, tinha evidências que um dos executivos de uma corporação contra a qual lutavam era gay. Alinsky diz que declinou de usar isso, mas ao mesmo tempo declara: Tão longe, tão nobre; mas, se eu estivesse convencido de que a única maneira pela qual eu poderia vencer fosse usar isso contra ele, então sem quaisquer reservas eu usaria. Qual seria minha alternativa? Afundar-me em indignação “moral” auto-indulgente dizendo: “Eu preferiria perder do que corromper meus princípios?”, e então ir para casa com meu hímem ético intacto? O fato de que 40,000 pobres iriam perder sua guerra contra a falta de esperança e desespero seria trágico demais. Alinsky não dá uma justificativa para a sexta regra (“Quanto menos importante o fim a ser desejado, mais alguém pode se preocupar em avaliar a ética dos meios”), mas em relação a sétima (“Geralmente o sucesso ou falha é um fator poderosamente determinante das éticas”) ele nos relembra que o julgamento da história tem muito mais a ver com o sucesso das ações do que com os meios utilizados par alcançá-los. É por isso que, segundo ele, os pais fundadores são considerados heróis patriotas, e não meramente traidores. Se tivessem fracassado, a história os teria percebido de maneira diferente. Já na oitava regra (“A moralidade dos meios depende do quanto os meios estejam sendo empregados em um momento de derrota iminente ou vitória iminente”), ele nos relembra que alguns meios considerados altamente imorais possuem um atenuante, em termos de julgamento público, caso tenham sido usados em circunstâncias desesperadas. Ele cita o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, que garantiu a vitória dos aliados. Até hoje existe um questionamento sobre a imoralidade dessa ação, já que o Japão estava prestes a se render. Alinsky diz que se a bomba fosse lançada imediatamente após o ataque a Pearl Harbor (quando a nação temia uma invasão da Costa Pacífica, a frota pacífica estava no fundo do mar e todas as forças americanas na Europa), então “o uso da bomba naquele momento seria alardeado universalmente como uma retribuição justa de fogo, granizo e enxofre”. Mais ainda, seria considerado “um triunfo sobre o mal”. Para ele, quem nega estes fatos (o de que o julgamento sobre o lançamento da bomba seria completamente diferente se os Estados Unidos estivessem em situação desesperadora), são “ou tolos, ou mentirosos, ou ambos”. Quanto a regra nove (“Qualquer meio efetivo é automaticamente julgado pela oposição como sendo anti-éticos”), Alinsky traz a história de um dos maiores heróis revolucionários, Francis Marlon, da Carolina do Sul. Marlon ficou conhecido por suas táticas de guerrilha que inspiraram muitos dos guerrilheiros modernos. Cornwallis e o Exército Britânico tiveram suas operações e planos completamente desnorteados e desorganizados pelas táticas de Marlon. Furiosos com a efetividade de suas operações, e incapazes de lidar com elas, os britânicos o denunciaram como criminoso, dizendo que ele não atuou no combate “como um homem honrado, ou mesmo um cristão”. Essa denunciação contundente a respeito de sua falta de ética e moralidade ocorreu principalmente pelo uso de suas táticas de guerrilha como um meio de se vencer a Revolução. Para a décima regra (“Você deve fazer o que puder com o que tiver em mãos e adorná-lo com tons morais”), ele diz que no campo de ação, a primeira questão determinante é se os meios (para um fim em particular) estão disponíveis. Para isso, é preciso avaliar as forças presentes e que possam ser utilizadas. Vejamos um pouco mais sobre essa avaliação: Isso envolve passar por uma peneira os múltiplos fatores que se combinam na criação das circunstâncias em um dado período, e um ajustamento às visões da opinião pública e seu clima. Questões a respeito do quanto tempo é necessário ou está disponível devem ser consideradas. Quem, e quantos mais, irão apoiar a ação? A oposição possui poder a ponto de poder suspender ou mudar as leis? A extensão de seu controle do poder de polícia chega ao ponto onde a mudança legal e ordenada é impossível? Se as armas são necessárias, existem armas adequadas disponíveis? A disponibilidade dos meios influencia o quanto você atuará de forma clandestina ou pública, rápida ou vagarosamente; movido por mudanças extensivas ou ajustes limitados; ou mesmo se você irá realizar movimentos. A ausência de quaisquer meios poderá levar alguém ao martírio na esperança de que este fato seja um catalizador, iniciando uma cadeia de reações que culminariam em um movimento de massa. Aqui uma simples declaração ética pode ser usada como um meio para obtenção do poder. Exemplos dessa regra estão naquilo que Alinsky percebe como a essência dos discursos de Lenin após seu retorno do exílio. Um resumo do pensamento de Lenin era: “Eles tem as armas e portanto nós precisamos declarar que lutaremos pela paz e por reformas através das eleições. Quando nós tivermos as armas, então iremos nos impor pela bala”. E foi exatamente isso que ocorreu. O maior exemplo está na visão popular de Gandhi como uma ilustração do mais alto comportamento moral, no que diz respeito aos meios e fins. Para demolir a visão ingênua que muitos tem do apóstolo da não-violência, Alinsky traz registros históricos mostrando que Gandhi fez uma avaliação das forças e fraquezas do exército revolucionário ao seu lado, e registros em sua autobiografia mostram que ele se indignava com a ausência de retaliação em direção aos britânicos. Em resumo, Gandhi fez uma avaliação dos meios disponíveis, e descobriu que não apenas não dispunha de armas, como também não dispunha de pessoas motivadas a lutar. Gandhi disse em 1930: “Espiritualmente, o desarmamento compulsório tirou nossa virilidade, e a presença de um exército de ocupação estrangeiro, utilizado com efeito mortal para nos abalar no espírito de resistência, nos fez pensar que não podemos cuidar de nós mesmos ou estabelecer uma defesa contra agressoras estrangeiros, ou mesmo defender nossas casas e famílias”. Alinsky nota que estas palavras “mais que sugerem que se Gandhi tivesse as armas para a resistência violenta e as pessoas para utilizá-las, este meio não seria rejeitado com tantas reservas como o mundo gosta de pensar”. Só que, quando Nehru encarou uma disputa com o Paquistão sobre Kashmir, não hesitou em usar força bélica. Mas aí os arranjos do poder se alteraram, pois a Índia tinha armas e um exército treinado para utilizá-las. Nehru Gandhi foi um exímio estrategista, pois, quando não tinha os meios à sua disposição, ele fez o que podia com a tentativa de rotular suas ações as mais morais possíveis, e, aí entrou seu discurso de não-violência. Tudo funcionou ainda melhor por que seus oponentes britânicos vinham de uma tradição moral em que pregavam ideais de “liberdade e tolerância”, logo, ele entrou em um território que poderia constrangê-los ao optar pela política de não violência. Obviamente, isso não funcionaria diante de um governo totalitário em sua ideologia como o de Hitler, por exemplo. De forma pragmática, Alinsky conclui a análise da estratégia de Gandhi, dizendo que “de um ponto de vista pragmático, a resistência passiva não era apenas possível, como o meio mais efetivo que podia ser selecionado para abortar o controle britânico sobre a Índia”. Para Alinsky, apelos a “uma lei maior que a lei feita pelos homens” significam apenas manifestações dos poderosos para controlar a massa e manter o status quo. Não só a moral vigente, como as leis, seriam feitas para a manutenção do poder. Quando os que não tem possuem sucesso e se tornam pessoas que tem o poder, “eles estão na posição de tentar manter o que conseguiram e seu padrão de moralidade se modifica com esta mudança de posição no padrão de poder” . O caso de Gandhi, usando a moral da resistência passiva contra os britânicos, mas descarregando forte poder de fogo sobre os paquistaneses, é sintomático. Sam Adams, que lutou como revolucionário, teve que mentir manipulando os valores morais da população, mas, após o sucesso da Revolução americana, demandou a execução dos americanos que participaram da Rebelião de Shay, dizendo que ninguém tinha direito de participar de uma revolução contra os Estados Unidos. É nesse ponto, com esse tipo de constatação realista e crua, que Alisnky começa a se distanciar de Maquiavel. Veja: Racionalização moral é indispensável em todos os instantes da ação no que diz respeito a justificar a seleção ou o uso dos meios e fins. A cegueira de Maquiavel para a necessidade de uma roupagem moral para todas as ações e motivos – ele dizia que a política não tinha relação com a moral – foi sua maior fraqueza. Ele nos relembra que todos os grandes líderes (Churchill, Gandhi, Lincoln e Jefferson) sempre invocaram “princípios morais” para cobrir a nudez de ações de auto-interesse com roupas como “liberdade”, “igualdade para a humanidade”, “uma lei acima das leis dos homens”, e daí por diante. Ele faz um adendo especial a essa regra, que explica muita coisa: “Todas ações efetivas requerem o passaporte da moralidade”. Por fim, a décima primeira regra (“Os objetivos devem ser verbalizados em termos gerais como ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, “Do bem estar comum”, ‘Busca da felicidade’, ou ‘Pão e paz’”), estende os padrões da regra anterior. Ele cita Whitman, que teria dito: “O objetivo uma vez nomeado, não pode ser revogado”. Estas onze regras morais definidas por Alinsky devem ser o começo do jogo interno de todo aquele que for participar de ações de mudança, caso estas ações sejam de esquerda. Todos os valores mais “elevados” devem dar adorno a qualquer ação. Ele diz que “a democracia não é um fim; mas sim o melhor meio político disponível na conquista destes valores”. Ele retorna, ao final do capítulo, à sua asserção com que o abriu. A “Justo é o que favorece a Revolução e injusto é o que dificulta” (Lênin)· “A moral, é a impotência colocada em ação” (Marx) · “O comunismo, porém, abole as verdades eternas, abole a religião e a moral” (Marx) · “A lei, a moral, a religião são preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.” (Marx) ·verdadeira questão, para Alinsky, jamais deveria ser “O fim justifica os meios?”, mas sim “Este fim particular justifica esse meio particular?”. Isso tudo torna toda a questão da ética de meios e fins elástica o suficiente para qualquer coisa que um esquerdista queira fazer. Um calcanhar de Aquiles para a direita? Acho muito difícil aplicar as onze regras morais para qualquer grupo político de direita, especialmente pelo fato de que a moral judaico-cristã, que define a busca da verdade, pode criar uma série de dissonâncias cognitivas nos adeptos. Em minha experiência neste blog, sempre que eu divulguei uma informação inconsistente, leitores conservadores me pediram para corrigir. (Se fosse um blog de esquerda, e existissem informações falsas contra os oponentes, me pediriam para prosseguir nas mentiras) Logo, uma moral que diz “faça o que quiser” simplesmente não vai servir, e colocará os conservadores em um conflito interno tão grande que não conseguirão aproveitar nada. A questão que resta é: adotando o mindset conservador de direita, ainda é possível assimilar algo a respeito de todo o trabalho que Alinsky fez em sua elaboração destas 11 regras éticas? A resposta é sim! Antes, vamos com cuidado. O que quero dizer é que a base destas regras sobre a ética não pode se sobrepor à uma ética pessoal que o direitista tenha. Entretanto, conscientizações devem ser feitas para que a sua ética não o torne um ingênuo perante os esquerdistas. Por exemplo, um fator que faz a diferença para os esquerdistas em debate contra os direitistas é que estes tem uma extrema habilidade em mentir. Como se nota nas regras de Alinsky, mentir não é um problema, pois é um meio para se obter um resultado (e, segundo ele, não obter um resultado é mais imoral que não obtê-lo). Mas se um oponente tem o direito de mentir, e você não, isso significa que o jogo está perdido para você? Não, pois é possível converter essa possível fraqueza (no jogo, e não uma fraqueza moral, que fique bem claro) em algo positivo. O uso da mentira deliberada faz a diferença na guerra intelectual para a esquerda. Como vimos em Alinsky, que nada mais faz do que levar às últimas conseqüências aquilo que Marx, Lenin e Trostky já pregaram, se a informação é conveniente à classe, ela é divulgada, e até ampliada. Se não for, maquia-se a informação de forma a favorecer à classe. A mentira passa a ser uma estratégia que definirá os grandes representantes da ideologia. Os maiores mentirosos serão os líderes. Segue uma listinha básica: O juízo moral está condicionado, como o juízo político, pelas necessidades internas da luta.” (Trotsky ) É aí que o pensador maquiavélico poderia objetar: de que forma combater um mentiroso senão mentindo ainda mais que ele? Poderia até ser, se não fosse o fato de que esse fator (o uso da mentira de forma deliberada) conspira contra a moral absoluta na qual muitos· “Do ponto de vista das “verdades eternas” a revolução é, naturalmente, “imoral”. Mas isso significa apenas que a moral idealista é contra-revolucionária, isto é, encontra-se a serviço dos exploradores.” (Trotsky) · “O fim (a democracia ou o socialismo) justifica, em certas circunstâncias, meios como a violência e o homicídio.” (Trotsky) · “As normas morais “obrigatórias para todos” adquirem, dentro da realidade, um conteúdo de classe, isto é, um conteúdo antagonístico. A norma moral é tanto mais categórica quanto menos é “obrigatória para todos”. A solidariedade dos operários, especialmente nas greves ou por detrás das barricadas, é infinitamente mais “categórica” que a solidariedade humana em geral.” (Trostsky) · “Não existem, então, preceitos morais elementares elaborados pelo desenvolvimento da humanidade e indispensáveis à vida de qualquer coletividade? Existem, sem dúvida, mas sua eficácia é muito incerta e limitada. As normas “obrigatórias para todos” são tanto menos eficazes quanto mais áspera se torna a luta de classes. A guerra civil, forma culminante da luta de classes, suprime violentamente todos os laços morais entre as classes adversas.” (Trostky) · “Quem não quiser voltar a Moisés, Cristo ou Maomé, nem satisfazer-se com um ecletismo arlequinesco, deve reconhecer que a moral é um produto do desenvolvimento social; que ela não tem nada de imutável; que serve aos interesses da sociedade; que esses interesses são contraditórios; que, mais que qualquer outra forma ideológica, a moral tem um caráter de classes.” (Trotsky) · “Invocar em nossos dias as “verdades eternas” da moral significa tentar fazer retroceder o pensamento.” (Trotsky) · “É necessário saber adaptar-se a tudo, a todos os sacrifícios e até, se necessário for, usar vários estratagemas, enganos, procedimentos ilegais, usar o silêncio, a dissimulação da verdade para penetrar nos sindicatos, permanecer neles, desenvolver neles a qualquer custo o embrião comunista.” (Lênin) · “Lênin ensinou, como se sabe, que, para atingir o objetivo almejado, os bolchevistas podem, e às vezes devem, usar qualquer estratagema, como o silêncio e a dissimulação da verdade…” (Lênin). · “O melhor revolucionário é um jovem desprovido de toda moral” (Lênin) · “Subordinamos nossa ética à tarefa da luta de classes” (Lenin). · Conservadores de direita acreditam. Se eu chegar para um conservador de direita e dizer ”Vamos armar uma mentira com esses dados e capitalizar?”, os leitores fugiriam. Logo, esse fator existe e é algo que conspiraria, a princípio, a favor dos esquerdistas. Eles tem uma ferramenta em mãos que podem usar à vontade, e nós, da direita, temos freios morais que nos impedem de usá-la. Sendo assim, na perspectiva maquiavélica, perdemos o jogo? É aí que não, e é aí que o jogo deve ser revertido a nosso favor, e justamente por um princípio básico: quem mente mais, tem mais sujeiras a serem descobertas. É o mesmo princípio que explica que a pessoa honesta tem muito menos a temer que o desonesto. Essa é uma das motivações (mas não a única) para o desenvolvimento do meu framework de ceticismo político, de forma que, a partir do momento em que um esquerdista abrir a boca, começa uma investigação. A partir do momento em que se inicia um debate com um esquerdista, deve-se estar preparado para que ele minta o quanto conseguir (pois, de acordo com a lógica de Alinsky, este é o seu meio disponível), e, caso estas mentiras surjam, desmascare todas as mentiras, sem deixar de expor claramente à platéia que o oponente se trata de um mentiroso. Sendo a mentira a principal iniciativa dos esquerdistas, mas não dos direitistas , a única contra-medida aceitável de um direitista deve ao mesmo tempo estar alinhada com os princípios desse direitista e também neutralizar a ação da esquerda. Uma mentira só pode ser neutralizada com uma refutação, e a conseqüente exposição deste mentiroso. Senão, de que forma descobrimos os picaretas dentro das organizações senão através da função de Auditoria? E a função da Auditoria é feita dentro de parâmetros totalmente alinhados com a Direção da Organização, e ela é basicamente honesta. Uma das principais características de um bom auditor é a honestidade. Por isso, da mesma forma, não vamos nos rebaixar ao nível do oponente e usar a ferramenta de mentira deliberada que eles usam. A sugestão é, ao contrário, aumentar o foco no ceticismo e na auditoria das alegações deles. E, para isso, a atitude honesta deve ser um valor que não pode ser negado de forma alguma. A substituição da tática da mentira praticada pelos esquerdistas pelo uso da refutação constante e ridicularização do mentiroso do outro lado é um exemplo de que, com uma adaptação aqui e ali, podemos aprender bastante com as regras de Saul Alinsky. Aliás, podemos, mais do que vê-las como regras, assumi-las como constatações de como o ser humano é, e então aumentar ainda mais o grau de preparação de conservadores de direita para a guerra política. Por exemplo, se há uma regra que define o uso de metas associadas a valores “elevados” por esquerdistas, mesmo que isso esconda iniciativas torpes, somente a desmoralização pública desta falsa rotulagem poderá neutralizar a iniciativa esquerdista. E, se Alinsky diz que a rotulagem pode ser mentirosa no caso do esquerdista, faça então a rotulagem correta, divulgue isso ao público e deixe claro que o esquerdista mentiu na rotulagem. A única coisa que eu poderia definir como intolerável, a partir desse conhecimento que você tem agora, é adotar uma postura de ingenuidade em relação até onde os esquerdistas podem ir. Independentemente de eu colocar aqui uma recomendação de restrição na aplicação nas regras de Alinsky (se para ele vale tudo, eu defendo que não se chegue a este ponto se você for de direita), não deixe que isso se transforme em ingenuidade.
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